Pois bem…
Quando ele nasceu, um anjo torto –
que pode ter sido Garrincha ou Nelson Rodrigues – soprou-lhe ao ouvido: “Vai,
Carlos, vai ser gauche na vida”.
Carlos Adriano de Souza Vieira,
nasceu em Maceió, nas Alagoas, a terra dos marechais.
Pobre, sem estudo, sonhou com o
futebol. Começou pelo CSA, o Centro Sportivo Alagoano, e conquistou um
estadual.
Depois foi pro Furacão, onde ganhou
quatro estaduais e o Brasileirão de 2001, o maior da história do rubro-negro
paranaense.
Foi um dos destaques do título
nacional do clube paranaense. Chegou à seleção olímpica e à principal.
No campeão brasileiro de 2001,
Adriano era nome certo na escalação, junto com Kléber, Kleberson e Alex
Mineiro. Depois, apelidaram-no Gabiru.
Que apelido! Gabiru significa rato,
rato pequeno – e preto. Também é sinônimo de coisa miúda, fraca, sem vida.
Mas ele – com sua humildade – não se
importou, não viu maldade; antes, ao contrário, enxergou carinho dos colegas no
apelido.
E lá foi ele – ser ‘gauche’ na vida –
como talvez quisessem Garrincha, o anjo das pernas tortas, e Nelson, o anjo
pornográfico.
O destro gauche, um Carlos que era
Adriano, que virou Gabiru.
Depois do título nacional, depois da
seleção e depois do apelido, ele nunca mais jogou como antes, nunca mais foi o
mesmo de 2001.
O gauche “mineirou” – indo para o
Cruzeiro de Belo Horizonte. Depois “gauchou”, mudando para o Inter de Porto
Alegre.
A esta altura do campeonato já rodara
por Oropas, França e Bahia, como poetava outro Carlos, o Drummond.
Naquele 2006, lá nos Pampas, já
estava para ser dispensado – por deficiência técnica, diga-se. A torcida
colorada não o queria nem no banco de reservas.
Então veio o Mundial de Clubes da
Fifa. O Inter chegara à decisão contra o poderoso e favoritíssimo Barcelona, em
Yokohama, no Japão.
O zero-a-zero já se encaminhava para
os pênaltis, quando o anjo Nelson soprou no ouvido do técnico Abel:
- Põe o Gabiru.
O renegado entrou – e justo no lugar
de Fernandão, que era o craque, aquele que poderia ser o herói de um sonho
quase impossível.
Com a substituição, Abel virou
“burro”, “imbecil” e “idiota” para os torcedores colorados, os que estavam no
Japão e os diante da televisão.
Recorrendo a Gabiru, o Inter venceria
o poderosíssimo Barcelona de Puyol, Xavi, Iniesta e Ronaldinho?
Quis o destino, ou melhor, quis o
Sobrenatural de Almeida que sim – ele baixou em campo no corpo de Gabiru.
No Inter de Falcão, e Figueroa, e
Carlitos, e Bodinho, e Dunga, e Dadá, e Lula…
No Inter “campeão de tudo”, o gol
mais glorioso, o gol mais importante de todos os tempos foi feito por ele, o
renegado Gabiru.
Naquele Natal de 2006, ele foi o
Papai Noel dos colorados. Meio Rio Grande do Sul ajoelhava-se aos seus pés para
lhe pedir perdão.
- Perdão, Gabiru! – cantava toda a
torcida do Inter, a plenos pulmões.
O que a alegria da vitória – a maior
vitória – não é capaz de fazer, não é? O feio fica lindo, o ruim fica ótimo, um
rato vira rei. Na maior das vitórias é assim.
Mas a alegria da vitória, mesmo a
maior das vitórias, dura alguns dias. Depois, o que fica é um pôster pendurado
na parede de quarto.
Dias depois, novo campeonato, novas
histórias, novos heróis – os possíveis e os impossíveis. E novos vilões também.
Quatro meses depois, quando ainda era
viva a imagem do título mundial, o Inter dispensava Gabiru.
A empresa, assim, dispensava o
empregado que deu o maior lucro de sua história, o topo do futebol mundial.
Triste ironia desse mundo cruel que é
o futebol.
De novo nômade, rodou pela bola do
mundo: Figueirense, Goiás, Guarani, Mixto (MT), Corinthians do Paraná, CSA de
novo, Guarani de Bagé…
Até que, neste domingo, início de
primavera, lemos a notícia no UOL: “Herói do título mundial do Inter joga no
futebol amador”.
A notícia informava que, desde junho,
aquele que um dia foi o Rei de Yokohama está jogando no Combate Barreirinha, um
time amador do subúrbio de Curitiba, no Paraná.
“Recebi essa proposta, acabei
aceitando, pra não ficar parado”, disse ele, com a humildade de sempre.
É triste, nesse domingo de primavera,
ler a notícia do outono de Gabiru.
Naquele Natal de 2006, Gabiru foi o
Papai Noel dos colorados. Meio Rio Grande do Sul, ajoelhado aos seus pés
santificados, agora lhe pedia perdão.
O que a alegria da vitória – a maior
vitória – não faz? O feio fica lindo, o ruim fica ótimo, um rato vira rei.
Mas a alegria da vitória dura pouco.
Fica lá na foto, no pôster pendurado na parede de quarto.
No mês seguinte, outro campeonato,
outra história, outros heróis.
(Texto
do jornalista baiano Marcelo Torres)