23 março 2015

Um Jogaço

- Em sanatório tem, em orfanato tem, nas cadeias – até em hospício, quando existia!
O diretor olhou pros internos. Magros, fracos, pobres, debilitados de muitas formas físicas e psíquicas, ilhados pela idade nas suas faltas e excessos de lembranças. A morte, voraz, lhes debulhava e moía o que sobrava. Balançou a cabeça pros lados e respondeu:
- Aqui é um asilo! Olhe para eles!
Uns mastigando nada, outros ouvindo longe, dois olhando pra dentro. Sentados ou movendo-se sem sair do lugar. Radinho, bonés, lenços, meias, gengivas, tosses, cuspidas. Nos seus contornos, a massa invisível da atmosfera e do tempo: o apodrecimento.
- Vai dar certo. Vamos tentar!
O diretor olhou de novo. Duvidava que estivessem ali. Gesticulou um resmungo, traduzido como aceitação.
- O senhor vai ver! Vai dar certo!
Tinha alguns de pijama e tênis rasgado. Um com andador. Bengalas, algumas. Uns conseguiram calção ou ceroula. Muitos de sandália ou chinelo. O que usava soro direto ficou no gol – sentado num tamborete. Deu uns seis para um lado e uns oito pro outro, equilibrando número e condição física.
Pátio pequeno. Bola vazia pra não pular nem correr muito. Freiras, serventes, cozinheiras, faxineiros e os que não jogaram ficaram nas escadas e cadeiras em volta.
O enfermeiro dono da ideia no meio do jogo, apitando e ajudando quando precisasse: pra evitar quedas, dominar uma bola mais difícil, incentivar. Pegar, se caíssem, dentaduras e bengalas. Fazer – e conseguiu – com que cada um tocasse ao menos uma vez na bola.
Tudo foi muito lento, andado, parado. Nem gol saiu. Poucos chutes. De destaque, só um passe “de calcanhar”, mas sem querer, com o andador – para aplausos de todos.
Não repetiram mais a experiência. Por temor de acidentes e porque, avaliaram, na prática, não houve jogo.
Isso para quem assistiu.
Porque de noite, depois da sopa, não teve radinho nem tevê. Os que jogaram e os que não jogaram ficaram na sala, em roda, falando, ouvindo, imaginando, transbordando com gestos, olhos e palavras o que foi o jogo de verdade.
Mulheres, filhos, inimigos, patrões, parentes, parceiros, retratos de avós, orfanatos, trabalhos, estradas. Polícia-e-ladrão na escola. Tiro de Guerra. Pasta de pedidos. Caminhões. Cidades e roças. Um terno. Bolas de gude. Frutas na relva. Cerveja gelada. Cheiro de couro. Tapa na cara. Galinhada. Serrote nos troncos. Zona. Trilhos de trem. Cigarros sem filtro. Salame. Rodeios. Pimenta. Cana aberta nos dentes. Faca na cinta. Carimbos. Balcões. Botas. Tijolo, cimento, areia. Uma índia escura na fazenda. Vidros da igreja. Sacos de farinha. Cavalo em pelo. Sim, senhor. Não, senhor. A senhora quem sabe. Banda com tuba e pratos. Manivela. Cruz no morro. Brigas na rua. Quermesse. Relógio, bicicleta, injeção, pedrada, esmeril, samambaias, cachoeira, macumba, beterraba, vasilhames no tanque, chave de fenda, luvas, cusparadas. E farofa com bacon. Bocha. Anzol com barulhinho. Azulejo de flor. Rapé. Revista de sacanagem. Manteiga, ônibus, feno, oficina, chafariz, as unhas, é pra já, às ordens, cicatriz, cobra de noite, tambor, vassourão, rodoviária, caderno de caligrafia, a mãe que levou um doce, loterias, porrada na arquibancada, o pai que deu um presente. Seu delegado, seu guarda, seu doutor, os muques, o peito, a potência. E os filhos, todos, centenas, correndo, gritando, com todas as idades ao mesmo tempo, entrelaçados ali entre eles, chutando, fazendo gols e vindo para os abraços, empoleirando-se nas suas costas, erguendo-os nos ombros, jogando-os para o alto.
Tudo isso é que teve no jogo que eles contavam, debatiam, analisavam aos risos, às falas, às mímicas, às palmas.
Os que assistiram é que não viram.
Não sentiram os cheiros. 
Não ouviram os barulhos.
Não perceberam nada.
Não sabem o que perderam.
(Texto de Luiz Guilherme Piva, autor do livro “Eram Todos Camisa Dez”)

21 março 2015

19 março 2015

Craque Mudo

Tinha o Mudo. Nunca soube seu nome. Sei que mentia demais – era o que falavam os que o entendiam.
Claro, risonho, tagarelava com punhos, palmas e dedos – as vírgulas e os pontos feitos por gemidos.
Que jogara bola, fizera gols, viajara. Que conhecera craques.
Que uma vez no Rio, certa ocasião na várzea, muitos anos em Colatina, um jogaço em Manhuaçu, três petardos num amistoso, um retrato com o Vavá – e ria quando os ouvintes – ou leitores – batiam as costas da mão sob o queixo dizendo que era tudo mentira.
Uns até apontavam o indicador pro pescoço e sopravam o ar como o de uma bola quando murcha – “papo furado”, meu pai traduziu quando vi.
Barulheira de verdade era quando o Botafogo vencia.
Dia seguinte, batata: ao silêncio de todos ele impunha o gestual altissonante celebrando a estrela e as listras no peito.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)

17 março 2015

Terra & Lua

Você certamente não percebeu, mas a Lua está se afastando de nós.
O satélite da Terra está atualmente 18 vezes mais longe do que quando se formou, há 4,5 bilhões de anos.
Sem a Lua, nosso planeta seria irreconhecível. Os oceanos quase não teriam marés, os dias teriam outra duração e nós poderíamos não estar aqui, de acordo com alguns cientistas que acreditam que a Lua foi fundamental para o início da vida em nosso planeta.
Mas como esse afastamento nos afeta e com que rapidez ele está ocorrendo?
Distância exata
A Lua, como explica à BBC a pesquisadora Margaret Ebunoluwa Aderin-Pocock, do Departamento de Ciência e Tecnologia do University College de Londres, está se afastando da Terra a uma velocidade de 3,78 centímetros por ano.
E graças ao pouso na lua da missão Apollo, da Nasa, entre 1969 e 1972, podemos medir essa distância com incrível precisão.
Em três das missões, os astronautas deixaram no satélite unidades retrorefletoras cheias de pequenos espelhos.
Desde então, os astrônomos têm disparado raios laser em direção a essas unidades refletoras, para manter um registro exato de o quanto a Lua está se afastando.
"Enviamos cerca de 100 quatrilhões de fótons com cada pulso de laser. Se tivermos sorte, para cada pulso que enviamos, volta (à Terra) um fóton", disse à BBC Russet McMilllan, do observatório astronômico científico Apache Point Observatory, localizado nas montanhas de Sacramento, no Novo México (EUA).
Apesar de à primeira vista um fóton parecer pouco, ele é suficiente para medir a distância entre a Lua e da Terra até o seu último milímetro.
No momento em que a BBC conversou com McMillan, a distância exata era 393.499 km, 257 metros e 798 mm.
Por quê?
Esse afastamento se deve à fricção entre a superfície da Terra e a enorme massa de água que está sobre ela e faz com que, ao longo do tempo, a Terra gire um pouco mais lentamente sobre o seu eixo.
Para cada ação há uma reação igual e oposta. Esta é a terceira lei de Newton.
À medida que o movimento da Terra diminui, o da Lua se acelera.
A Terra e a Lua são unidas por uma espécie de abraço gravitacional. Então, à medida que o movimento da Terra diminui, o da Lua acelera.
E, quando algo que está em órbita acelera, essa aceleração o empurra para fora.
Efeito
A distância da Lua afeta nosso planeta de várias formas. Para começar, à medida em que a Terra gira mais devagar, os dias ficam mais longos.
Eles já estão mais longos, em dois milésimos de segundo a cada século.
Além disso, os invernos serão muito mais frios e os verões, muito mais quentes.
Isso pode ter um efeito devastador sobre a Terra, ante a dificuldade dos animais em se adaptar a extremos climáticos.
E se a força gravitacional da Lua torna-se mais fraca, as marés na Terra não serão tão acentuadas.
No entanto, mesmo sem a Lua, existiriam marés - ainda que suaves - pelo efeito do Sol.
No entanto, nenhuma dessas consequências deve preocupar: as mudanças são sutis demais para que possamos testemunhá-las.
A Lua nunca vai escapar da Terra. Mesmo que a Terra continue diminuindo sua velocidade, irá girar na mesma velocidade em que orbita a Lua. Nesse momento, a Terra e a Lua vão chegar a um equilíbrio e a Lua deixaria de se afastar.
Mas, muito antes que isso aconteça, o Sol vai se expandir até virar um gigante vermelho e engolir, no processo, a Terra e seu satélite.
Dito isso, não há necessidade de se preocupar. Ainda faltam cerca de 5 bilhões de anos para isso acontecer.

15 março 2015

13 março 2015

Timemania

00) Maiores Prêmios de 7 acertos na Timemania:
01) 352 R$ 26,5 milhões (Set/2012; São Paulo-SP)
02) 628 R$ 22,0 milhões (Set/2014; São Gonçalo dos Campos-BA)
03) 552 R$ 16,6 milhões (Mar/2014São Paulo-SP)
04) 585 R$ 13,9 milhões (Jun/2014; Curitiba-PR)
05) 669 R$ 12,2 milhões (Dez/2014; Santos-SP)
06) 141 R$ 11,4 milhões (Set/2010; Americana-SP)
07) 241 R$ 10,6 milhões (Ago/2011; Morada Nova-CE)
08) 069 R$ 09,9 milhões (Jun/2009; Brumado-BA)
09) 427 R$ 09,6 milhões (Mai/2013; São Paulo-SP)
09) 427 R$ 09,6 milhões (Mai/2013; Sumaré-SP)
11) 098 R$ 08,0 milhões (Jan/2010Cambuquira-MG)
12) 373 R$ 08,0 milhões (Dez/2012; São Paulo-SP)
13) 016 R$ 07,8 milhões (Jun/2008; Salvador-BA)
14) 270 R$ 07,6 milhões (Dez/2011; Belo Horizonte-MG)
15) 172 R$ 07,1 milhões (Dez/2010Goiânia-GO)
16) 203 R$ 06,8 milhões (Abr/2011Recife-PE)
17) 299 R$ 06,4 milhões (Mar/2012; São Bernardo do Campo-SP)
18) 699 R$ 05,6 milhões (Mar/2015; Brusque-SC)
19) 479 R$ 05,4 milhões (Set/2013; Curitiba-PR)
20) 029 R$ 04,4 milhões (Set/2008; Santo André-SP)

12 março 2015

11 março 2015

Bola na Trave

Bola na trave é coisa séria.
O jogo pode estar uma porcaria, chato como um filme afegão, um engarrafamento, uma ata do Bacen – aí ela estoura, trisca, encosta, balança a trave, o pau, o ferro e tudo parece mudar.
Dali em diante cria-se a ilusão de que nada é mais o mesmo, incluindo o que ocorreu e o que ocorrerá. A história parece então refazer seus cursos.
Um sopro, uma luz, um chamado, uma chance de sucesso, um lembrança feliz, uma possibilidade, uma ousadia, uma acrobacia, um medo, um trauma, uma ameaça, a natureza morta dança e borrifa ou escurece e some.
Tem bolas na trave que assombram, estrondam e fundam certo silêncio. Como se, no escuro, ouvindo um trovão, um rugido, um canhão, uma avalanche, um terremoto, viesse o medo.
Essas em geral são secas, graves, em lances nítidos e lentos. Todos mais ou menos na sua posição no campo, um passe ou um drible, a coreografia morna, nenhum aviso – e a explosão. O goleiro nem se mexe: só esguelha ou ausculta que algo ocorreu.
Tem aquelas que, diferentemente, estrepitam e vibram, agudas. Gritam, gralham, esbugalham, esgoelam uma mudança, um risco, quem sabe.
Essas em geral saem de lances rápidos, com movimentos embaralhados, pressão na área, bate-rebate, contra-ataque populoso, falta tensa, troca rápida de passes, fila de dribles, corte seco na meia-lua, a torcida já urde uma exclamação, algo virá, não se sabe o quê – e ela estoura no pau, no ferro, e eis que morreríamos, vencia, salivo, acordareis, suspiraste, afundarão, quem sabe.
Mas é só ilusão.
Tanto aquelas quanto estas nada mudam – porém, fazem com que ouvintes, torcedores, narradores e comentaristas passem a reler o jogo e o resultado a partir delas. É interpretação. Emoção. Envolvimento. Comoção. Esperança. Temor.
Com essas bolas na trave tudo segue igual.
As bolas na trave que mudam tudo de fato são outras.
São aquelas tinhosas, lentas, leves, felinas, pingam, escorregam, sem força, passam por ali, não vemos, por aqui, escapam, enganam, escorregam, vão entrar, deixa pra lá, vão sair, traiçoeiras, ardilosas, domesticadas, matreiras, dóceis, ôpa, cadê, vem cá, espera, psiu, que nada – e pimba, ou plóft, ou téc, ou tum, dão um beijo na trave, saem, param, se deixam ficar ou desmaiar por ali.
Essas sim definem tudo. Só que imperceptivelmente.
Trata-se de muito mais do que passado e futuro.
Poucos percebem, mas são elas que prescrevem a vida e a morte.
Pagliuca, goleiro da Itália na final de 94 contra o Brasil, percebeu.
Depois do chute do Mauro Silva, deu-se conta da dimensão do que estava em jogo.
Do que significava aquele beijo que a bola dera na trave.
Foi lá e, humildemente, reverenciou-a, imitando-a.
(Texto de Luiz Guilherme Piva, autor do livro “Eram Todos Camisa Dez”)