Na sua
intermediária esquerda, escanteio contra seu time, o meia-direita na cabeça da
área.
Rebote. O meia domina e ele parte antes. Sabe que a bola
estará no vazio das costas dos beques adversários antes mesmo da linha do
meio-campo.
É só dominar e
partir com ela no pé. Ou partir direto, sem dominar, dando esticadas com toques
nas passadas.
Pode chutar forte da entrada da área. Tocar de chapa com
curva no canto esquerdo. Chegar mais perto, ameaçar o chute e cobrir o goleiro
caído. Esperar o zagueiro vir em carreira e cortá-lo com a guinada pra dentro.
O certo é que
quase sempre fez o gol. Poucas vezes perdeu.
Só que, naquela vez, na largada, antes de se aproximar da
bola no ponto em que a aninharia e do qual a tangeria à meta, veio a ausência.
Os passos
seguiam, mas lentos, sem peso, patinhando, desossados.
O corpo arqueado perdia tensão, ânimo, seiva.
Perdeu o senso
do que o impulsionava e do que atingiria.
Nem sabe se chegou lá, se fez o gol, se desistiu, se foi
atropelado pelo zagueiro, se tropeçou e saiu de maca, e nem mesmo se o que está
contando ocorreu.
Tem dúvidas até
mesmo quanto às mil vezes anteriores em que teria feito a jogada que o
consagrou e que o distinguia de todos.
Mas não esquece a ausência.
De quê, de quem,
não sabe dizer.
Só repete que foi uma ausência.
Que ele sente
ainda ali, pesando, curvando o espaço e o tempo à sua volta – como uma bola que
curva a rede no chute bem colocado, explica.
Às vezes enche ouvi-lo repetir a mesma história.
Mil vezes a
mesma história.
E todos já sabem. Ele vem chegando perto, puxando assunto,
abrindo brecha, como das outras mil vezes, e começa a corrida, aliás, a
história, dos seus gols, aliás, da ausência, que o consagraram, aliás, que o
imobilizou.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)