Quando me tranco no quarto,
ninguém segura:
sou Messi, Neymar, Sepultura,
Vettel, galã das mulheres
tiradas de sites de Helsinque.
Vou ao Havaí, subo edifícios,
exploro selvas e trilhas,
estraçalho na guitarra,
agarro e beijo na marra
a Gisele Bundchen.
Lidero a gangue da rua,
invado o Capão Redondo,
domino a Rocinha, o Iraque,
os Estados Unidos da América,
dou ordens em Nova Iorque
vou à Lua, a Plutão, ao fundo
do mar, a Atlântida,
domino os hemisférios
e os asteróides.
Entro na área correndo
(ela na arquibancada),
dou um chapéu, domino
(ela nas numeradas),
e de calcanhar toco em cima
(ela nos camarotes)
da linha pro fundo da rede.
A torcida enlouquece,
levanto o troféu do título
(ela no alto do estádio),
dou autógrafo, viro símbolo
(ela pula lá de cima)
em todo o globo terrestre
(eu a seguro nos braços).
Meu grupo no Central Park
grava ao vivo o show de rap
que vai rolar na internet.
A galera vibra,
delira, se descabela,
depois pulo do palco
em cima dela.
Chego da guerra cansado,
mas sempre atendo a pedidos.
Troco o uniforme,
salto um prédio, plataformas,
o porto, o palácio, lagos,
passo dentro de arcos de fogo
escapo de terremotos,
rasgo vulcões, quebro um braço
chego sangrando ao local
do esconderijo.
Pego a mocinha nos ombros,
derroto um a um os bandidos,
sob rajada de balas.
Mudo de fase,
ganho uma vida.
Pulo escombros, desvio de mísseis,
venço os alienígenas
e levo-a salva ao castelo,
deito-a sobre os lençóis,
ela quer, mexe o cabelo,
mas estou de partida.
A cavalo em mata aberta,
de jet-ski nas corredeiras,
caçador, hacker, poeta,
blogueiro, ator de clip,
dono de loja de games,
na prancha, de carro, de moto,
de roupa maneira, de brinco,
passo por ela e a olho,
vejo-a sorrindo.
Porém, ela e as amigas,
cochicham, alisam as tranças
e fingem que não me veem.
Pensam que sou criança.
Um dia ela vai me olhar,
me ver pelos outdoors,
melhor jogador do mundo,
o homem mais forte da Terra,
o mais corajoso de todos,
meu nome em todo lugar.
As garotas ao meu redor. Bocejo.
Não sei se então vou querê-la.
O sono já vem chegando.
Talvez eu prefira a outra. Bocejo.
Mas ela é mais velha. Que sono.
Quem sabe no fim do ano.
Que sono. A outra e ela.
No fim do ano. Que sono.
Por fim o sono me vence.
Olho os pôsteres em todo o quarto:
jogadores, heróis, superman.
Depois do xixi e dos dentes,
visto o pijama e rezo
pra que Deus cuide de todos
(e dela também):
do pai, da mãe, dos avós,
da minha irmã, da vizinha.
Mas O aviso:
quando eu crescer, não precisa:
eu cuido de tudo sozinho.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)