03 novembro 2014

Penalidade Máxima

Muitos anos antes, diante do artilheiro que bateria o pênalti, ele previra esta tarde interminável em que seu filho o levava à sepultura.
A bola na marca.
A certeza de que ela será disparada com força, no canto oposto, rasteira, ou no meio do gol vazio, ou na sua cara, na sua testa, na boca do estômago.
A imensidão em torno dele, à disposição do artilheiro a apenas onze metros de distância.
Os segundos arregalam o pavor.
Bumbos nos tímpanos.
Gongos nos pavilhões.
Zumbido.
Súbito, o punhal da covardia lambe-lhe a coluna.
Tem então a certeza de que não importa que a bola vá para fora, ou que bata na trave, ou mesmo que ele a defenda.
Porque está claro que ali é a pequenez frente ao Universo. A fragilidade encurralada pelo indestrutível. O transitório domado pelo eterno.
O alvo acocorado e a goela do canhão a onze metros, para acertar onde queira com a potência que bem entenda.
Não importa se a bola vai para fora ou se bate na trave ou se ele a defende porque ele haverá de sempre estar ali, na mesma posição, a alma esfarelando, o corpo apodrecendo, os estampidos e os gritos, o lance à espera do desfecho agora antevisto.
Percebe que por todos os dias do futuro nenhuma defesa, erro ou trave impedirá o lance verdadeiro, perfeito, do qual aquele em curso é mera sombra, arremedo, ensaio.
Sabe então que a bola branca, gelada e silenciosa permanecerá doravante à sua frente, a ponto de ser atirada.
E prevê que haverá uma tarde, remota no futuro, em que seu filho o carregará pálido e gelado, recolhendo-o no chão depois do gol indefensável como a saraivada de um pelotão de fuzilamento.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)