Ficava o dia inteiro no banco da
praça ouvindo rádio AM.
(Rádio era um aparelho como o notebook ou o tablet. Em vez de tela, tinha
som. E AM eram os portais e redes sociais, só que falados).
Onda curta, onda média, onda média,
onda curta. Chiado, propaganda, jogo, recado, posta-restante, perdidos, música,
notícia, utilidade pública, achados.
Quando acabavam, batia no guichê que vendia passagem de ônibus, pão, doce,
cerveja, Cibalena, carreto, ingresso pra jogo e pilha, entregando as velhas
como se vasilhames.
- As amarelinhas, hein, do Pelé! – e
apontava o cartaz da propaganda.
Não aceitava a concorrente, a do gato preto. Batia na madeira.
Chinelo, regata, bermuda, barriga. De
noite pegava carona na charrete poeira acima.
Poeira abaixo, de manhã, sentava e a AM enchia o mundo.
Não ria nem movia traço. Sentado.
Hora da marmita desembrulhada. Ondas curtas. Lusco-fusco. Ondas médias. O dial
a trouxe-mouxe. Ouvido nas frestas da estática.
Morreu ali, sentado, tombando de mansinho pro lado. O moço do guichê ouviu
o baque antes do amigo da charrete.
Ligado, Jorge Curi soltava a alma
rasgada:
- Pelé! Pelé! Pelé!
(Texto de Luiz
Guilherme Piva)