“No meu tempo…”, ele dizia, atento
às próprias feições.
Tinha
sido a primeira vez. Depois da pelada semanal, na hora da cerveja.
Tantos anos, tanta pelada, tanta
cerveja, tanta gente, tanta conversa, e ele nunca falara aquilo.
Mas
naquela tarde começara uma história ou um argumento com a expressão que o
atingira como uma bolada no ventre: “no meu tempo…”.
Parou um segundo, ninguém reparara,
encurtou o assunto. Silenciou. Foi embora mais cedo do que de costume.
Agora
ali, depois do banho, no meio da barba, intranquilo, repetia a frase.
Ela quis saber o que estava acontecendo.
Ela quis saber o que estava acontecendo.
Só então ele a viu.
Entre
virar o rosto e encará-la, lembrou-se de muitas peladas que jogara quando
criança e adolescente e dessas que – “há quantos anos, meu Deus?” – ele, já
adulto, antes mesmo de se casar, jogava todo sábado. Dos campos em que jogara,
que tinham mudado várias vezes. De tanta gente que saiu, de outras que chegaram
por pouco tempo ou ficaram, de alguns que se machucaram e pararam, das
desavenças que afastaram amigos, de sobrinhos de alguns que se incorporaram, de
amigos novos, dos mais antigos que perderam assiduidade. Dos jogos na chuva, no
barro, num terrão com formigueiro, num sítio de um sujeito rico – “grama
verdinha e plana, alambrado, traves com rede – um dia vou ter um!” –, na beira
da estrada, em outras cidades. E de quando – “há quantos anos, hein? Quantos?”
–, fixaram-se no campinho de grama sintética do clube campestre, alugado, ele
organizava a vaquinha, cobrava, anotava, comprava bolas, arrumava gente pra
completar quando não dava quorum. E comandava a cerveja depois do jogo. Um gol
de sem-pulo. Um braço quebrado. Como é possível perder um gol daquele? Quanta
pelada. Quanta conversa. Quanta gente.
Quanta cerveja.
Viu no
rosto da esposa as marcas do tempo que nunca vira até então. As mesmas que só
tinha visto no seu naqueles minutos que tinha ficado na frente do espelho
repetindo a expressão que o abalara.
Limpou a espuma do rosto com a
toalha.
Abraçou-a.
Disse que não era nada.
Acalmou-se.
Mas
subitamente a ideia de futuro o assombrou e o fez abraçá-la mais forte: “quanto
tempo, meu Deus? Quanto tempo?”.
(Texto de Luiz
Guilherme Piva, autor de “Eram
todos camisa dez”)