Tem sido assim
todos os Dias dos Pais há muitos anos.
É o dia em que ele vai jogar bola de manhã, de tarde e de
noite, pro dia passar logo e ele ficar longe.
No resto do ano,
não.
Todo dia vai lá, carrega, limpa a sujeira, dá banho,
penteia, põe de novo na cama e fica falando com o pai – coitado, os olhos
escancarados sem entender nada de nada.
Era goleiro. E
contador.
A doença o pegou muito cedo. Nem quarenta. E normalmente,
dizem, é doença de idade avançada.
Mas com ele foi
aos quarenta. Nem isso, coitado, trinta e oito, por aí.
Primeiro, deu um vazio no meio de um jogo. Gol adversário
sem que ele fizesse um gesto.
Quando voltou a
si, demorou a entender. Percebeu. Inventou qualquer coisa.
Mas foi se repetindo e o tiraram.
No trabalho,
foram rebaixando suas funções – auxiliar, cópias, carimbos.
Mas, ainda com períodos vivos, um dia disse pro filho:
“não quero mais ir ao trabalho, o pessoal ri dos erros que eu cometo”.
Ele o tirou.
Aposentou-o. Viu-o definhar em poucos anos, sumindo de corpo e mente. A mãe sem
saber o que fazer.
Num Dia dos Pais – já faz quase vinte anos –, banho
tomado, imóvel, olhando a mesa com um bolinho e um guaraná, de repente, com
raríssimo e pleno domínio, disse pra esposa e pro filho: “se ao menos eu ainda
conseguisse ser goleiro não ia dar tanta vergonha pra vocês”.
Depois disso,
rapidamente, cama, ausência, fiapo: a inconsciência foi avassaladora.
Tanto que ele jura que foram as últimas palavras que o pai
pronunciou.
São elas que
gongam na sua cabeça o tempo todo.
E que ele pragueja entredentes o dia inteiro, todos os
Dias dos Pais, jogando bola de manhã, de tarde e de noite.
Com raiva e
orgulho de ser goleiro.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)