17 setembro 2015

Voz do Morro

A voz do morrinho artilheiro:
Aposentaram-me.
Nunca mais fiz um golzinho sequer.
Eu que toda semana estava nas manchetes.
Alegria das torcidas.
Desculpa dos goleiros.
Não tenho muito do que reclamar da vida.
Decidi a Copa de 50 – embora sacudissem a culpa no Moacir.
O Alcides chutou e eu estava lá.
Sutil como beija flor.
Fiz gol em estadual, Taça Brasil, Robertão, Brasileirão.
Vivi o esplendor dos campos de várzea
– e a maioria dos estádios brasileiros era campo de várzea.
Eu nunca tive fama no futebol europeu.
Voz do morro é coisa bem nossa.
Curiosamente, meus amigos, muitas vezes a culpa era do goleiro.
Eles erguiam um montinho de terra na pequena área.
Pra bater tiro de meta.
E depois, o montinho virava tragédia.
Com a chegada das Arenas não teve jeito.
O gramado virou pampa infinito nos 90 minutos.
Até o toque de bola se modificou.
O futebol agora tem dribles de futsal.
Eu me tornei quase uma figura de museu.
Fico no quase, pois o museu do futebol homenageia todo mundo.
Mas nunca se lembrou de minha pessoa.
Logo eu.
Eu que balancei as redes mais que Pelé e Coutinho juntos.
Eu que inspirei Zé Keti.
Eu que transformei tanto perna de pau em vedete.
Aposentaram-me.
Nunca mais fiz um golzinho sequer.
Eu que toda semana estava nas manchetes.
(Texto de Roberto Vieira)