Mas
era a pelada.
Ele
saía pra fazer cobrança e não resistia. Via um campinho, um espaço qualquer em
que jogavam bola, e logo parava a bicicleta, amarrava a pastinha de notas no
bagageiro e entrava no jogo. No mínimo uma hora.
Chegar
suado era normal: rodava a cidade pedalando. O lote grande de cobranças também
justificava alguma demora.
Mas
os atrasos estavam aumentando. As desculpas se repetindo. E o pior: os
resultados das cobranças eram baixos, quase nulos.
Da
última vez voltou só à noite. A firma já estava fechada. De manhã o chefe o
chamou pra demiti-lo.
Ele
abriu o jogo.
Era
um campinho lindo, num bairro que ele não conhecia. Grama natural, bica do
lado, traves de bambu com travessão, farrapos de rede, sombra farta, bola nova,
molecada boa de bola, faltava um pra inteirar – ele não poderia impedir o jogo.
E
mais, chefe, foi um jogaço! Escurecendo, empatado em oito a oito. Quem fizesse
ganhava.
Não
podia parar. Questão de honra. Ninguém enxergava mais nada, mas nem pensava em
parar.
E
eu fiz o gol decisivo!
Foi
uma festa! Abraços, sanduíches, guaraná, risos encharcados de suor, todo mundo
junto, dos dois times.
Mas
o senhor está certo.
Onde
eu assino?
O
chefe se levantou, rodou a sala com as mãos nas costas. Entregou a ele o papel
para que assinasse. Recolheu a pastinha com as cobranças – nenhum recebimento,
como sempre.
Sozinho
na sala, sentiu dó do garoto; pensou que a demissão era um castigo exagerado.
Mas
disse para si mesmo que a vida é dura.
Que
a gente precisa aprender na dor e na perda.
E
fingiu que estava coberto de razão.
Mas
estava arrasado.
Queria
largar tudo e correr pro campinho.
Chamar
o garoto para ir com ele.
Chupar
manga, lavar o rosto na bica, comer pão com mortadela e, acima de tudo, jogar
bola livre, sem regras, sem hora, até anoitecer.
Isso
foi há muito tempo.
Ele
ficou mais maduro, mais velho.
E
até hoje carrega o pesar em algum nó dolorido na alma.
Mas
finge que não sente.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)