De terno e gravata, ficou em pé assistindo. Terrão, sol
humilhante, dois times (com camisa e sem camisa) de rapazes simples jogavam
como numa final de Copa do Mundo.
Suava, estava atrasado, se empoeirava, o compromisso era
importante – mas ele não saía do lugar.
Viu que tinha uns galões de água, fez sinal pra um dos
jogadores pedindo pra tomar. Virou no bico, esfregou a boca com as costas da
mão, molhou o cabelo, pôs as mãos na cintura abrindo as asas do paletó e voltou
a assistir.
Não pensava mais no tempo. A tarde crepitava. O jogo
parecia que não teria fim. O zunido dos carros na estrada. Gols comemorados
como vitórias numa guerra. O manto de poeira.
De cócoras. Com a mão em continência pra apurar a vista. A
boca seca. Os lábios nos mesmos galões em que todos tomavam.
E foi aquilo. Um se machucou, tio, entra aí, quem, eu?, é,
tio, completa aí, mas só estou assistindo, faz tempo que não jogo, só completa,
de terno?, vai logo, tio, peraí, boa.
Era no time de camisa. Deixou o paletó no chão e entrou.
Não sabia mais o que estava acontecendo. Sol, poeira,
carros, a bola, os jogadores em volta, ele correndo sem parar, a gravata
balançando, os sapatos doendo, o suor empapando tudo, o barulho do tempo
zunindo, zunindo, zunindo, escurecendo, quem fizer acaba, mas ninguém fazia, o
jogo não acabava, quase noite, ele correndo, tocando, chutando, tropeçando, a
boca cheia de terra, já não se via mais nada...
O carro tá lá no capinzal faz mais de um mês. Depenado.
Quem mora em volta não sabe como ele foi parar lá. Ninguém
se lembra de ter visto nada: nem acidente, nem pelada, nem ninguém saindo do
carro, dizem que naquele campo ninguém joga há anos.
Mas a polícia segue procurando o corpo.
É que acharam um paletó no chão, sujo de terra, do lado do
campo.
Mas sem nada. Nenhum documento, nenhum papel. Nada.
(Texto de Luiz
Guilherme Piva)