Falavam os quatro ao mesmo tempo. E a
turma ouvia. Salivava de inveja, admiração e vontade. Mas não podia ir. “Vocês
são muito novos”, diziam. “É longe, e perigoso.” “Nem pra assistir?” “Não.
Quando vocês crescerem mais a gente leva.”
Eram os quatro heróis do bairro. Da vila, na verdade. Um beco com velhos e
moleques olhando e correndo. Lembrando e sonhando. Sumindo e crescendo.
Os quatro eram maiorzinhos, quatorze,
quinze anos. Dia de jogo saíam cedo, bola na mão, camisas velhas de times, ki-chute,
a meninada vinha vê-los cruzar o beco de ponta a ponta, dobrar a esquina,
ganhar a rua e ir diminuindo até a avenida em que pegavam o ônibus.
Os pequenos passavam o dia jogando no beco o jogo que eles imaginavam – na
verdade, sabiam – que os quatro, lá longe, jogavam. Entre as paredes, as
cadeiras dos velhos, os varais, os tambores de lixo, os cachorros: eram
golaços, furadas, começos de briga, finais emocionantes. Suavam, respiravam
forte, morriam de sede, afogavam-se no bico da garrafa.
E então, fim do dia, calor e mormaço,
quase escuro, os heróis voltavam. Descreviam tudo. E não poderia ser mais igual
ao que eles tinham imaginado, jogado, vivido!
Orgulhavam-se dos quatro bravos. Sua aventura no desconhecido, sua coragem
frente a estranhos. Viam selvas, despenhadeiros, correntezas, muros altos,
adversários armados – e eles venciam!
Sempre venciam. Nunca perderam. Às
vezes um placar apertado porque não existia empate: “quem fizer ganha!”.
Ficavam ali em volta deles, ouvindo-os contar o jogo, a ida, a volta, os
percalços, as conquistas, com as pupilas crescendo, os dentes se abrindo, o
coração inflando, até o encerramento.
Abraçavam-nos, pulavam em volta. “Me leva na próxima, por favor!” “Deixa a
gente ir!” Os quatro se levantavam, diziam que não dava, deixavam a bola ali
para que eles brincassem e cruzavam de volta o beco, como cavaleiros na volta
da missão no estrangeiro. Os velhos os abençoavam com os olhos.
Na casa de um deles, no pedaço de
terra atrás do tanque, antes de se despedirem, combinavam como seria a próxima.
Quanto seria o jogo. Quem faria os gols. Como acabaria. Como seria o outro
time. Lances importantes. Algum sofrimento. E a vitória final, claro. Porque
isso é o que importava. Voltar e contar a vitória.
É isso: não iam a lugar nenhum. Viravam na avenida, atravessavam pro
bairro depois do posto e ficavam jogando sozinhos num terrão abandonado.
Golaço, furada, começo de briga,
final emocionante. Tudo entre eles. Mas nem era pra valer. Era como eles
imitavam o jogo que eles imaginavam – na verdade, sabiam – que eles jogariam se
fossem jogadores, se estivessem num time, se disputassem partidas contra outros
times de outros bairros e voltassem pra vila.
Cansados, sedentos, ofegantes.
Mas vitoriosos. Sempre vitoriosos.
Nunca haveriam de perder. Esse era o compromisso que tinham com si mesmos e com
os meninos e os velhos.
Não sabiam até quando duraria tudo aquilo. Mas sabiam que venceriam
sempre.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)