Desde o primário, alguns. Outros, do
ginásio. Sendo ou não da mesma sala, sempre andavam em grupo. Recreio, festas,
clube.
Mesmo em faculdades e cidades
diferentes, toda semana se encontravam. Bares, churrascos, noitadas.
Casaram, viajaram, mudaram ou ficaram
– mas não deixavam de se ver.
Bola é que só jogaram uma vez juntos.
Nunca haviam reparado. Cada um tinha um pessoal que jogava num lugar, eram dias
diferentes, ou por distração, ou sabe-se lá por quê.
Quando perceberam é que resolveram
marcar. Arrumaram um sítio, esposas, filhos, outros convidados, cerveja,
piscina, música, seis pra cada lado, bola, rede, vamos lá.
Par ou ímpar. Esse, aquele, mas e
eu?, por que ele?, surgiram umas rusgas.
Depois uma entrada dura. Em seguida,
um não deu o passe pro que estava na cara do gol. Outro reclamou de uma bola
perdida na defesa. Falta! Não foi! Ladrão! Empurrões, caretas, braços pro ar.
As famílias e os demais notaram,
chamaram pra parar, comer, dançar, nadar.
Não. A coisa estava renhida.
Carrinhos. Dedo na cara. Palavrões.
As crianças espantadas. O
churrasqueiro entrou em campo com o prato distribuindo coraçãozinho pra
distrai-los – mas foi rispidamente afastado.
Alguém aumentou a música, outro veio
com a cerveja. O empurra-empurra e os xingamentos, porém, já estavam em nível
tal que ninguém queria recuar.
E zero a zero!
Escurecendo.
As discussões e as ofensas obrigaram
as mães a puxar as crianças. Três delas quase arrastaram os maridos do campo:
“Pelo amor de Deus, parem!” – não adiantou.
– Quem fizer ganha! – a ordem partiu
de um deles, não se sabe quem, mas foi obedecida de imediato. Um alívio para
quem assistia, uma tensão a mais para os que jogavam.
Dois trocaram tapas num lateral
duvidoso, o goleiro subiu com o pé no peito do atacante, o beque deu de bico de
propósito para acertar a bola na cara do lateral – tudo já fora de controle.
Bufavam, caíam, urravam, suavam como
touros lancetados.
Eis que houve pênalti.
E sem discussão: a bola ia entrar, o
goleiro já batido, o zagueiro teve que pegar com as mãos.
Silêncio.
Resignação humilhante de um time,
ansiedade sobranceira do outro.
Bola a seis passos do gol. Goleiro
parado.
Os touros afastados, as narinas em
fole.
Em volta do campo, todos assistindo
crispados. A música ao fundo, a fogueira do churrasco piscando longe.
O batedor tomou distância, mãos nas
cadeiras, olhou pro céu.
Virou-se para trás: todos lá, cabeças
baixas, cabeças altas.
Enxugou a testa.
Foi para a bola com raiva – e parou
de repente.
Abaixou-se, pegou a bola, virou-se e
disse: “Se alguém quiser, pode bater. Eu não bato”.
Escureceu de vez, a fogueira estalou,
um neném emitiu um berreiro.
Moscas de calor nos rostos.
Ninguém quis.
Acabou zero a zero.
Foram para a festa, beberam,
cantaram, comeram, se abraçaram, contaram casos da vida toda – foi o melhor
churrasco da história, dizem até hoje.
Mas nunca mais jogaram.
E, a bem da verdade, desde então mal
se veem.
Só por acaso. Mas assim, como se não
se conhecessem.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)
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