17 novembro 2018

Campeão de Ioiô

Agosto de 1933, bairro da Madalena em Recife. 
Antonio Barbosa era órfão. Havia perdido seu pai e se distraia na saudade brincando de ioiô. Jogava o dia todo. Saía da escola e se agarrava ao brinquedo.
Os amigos já gostavam do jogo de bola, mas Antonio preferia a solidão do ioiô.
Somente com o brinquedo ele conseguia afastar a tristeza.
As Lojas Brasileiras surgiram com a promoção. O campeonato pernambucano de… ioiô.
Os amigos de Antonio disseram pra ele se inscrever. Ele não queria. O ioiô era um amigo e não uma competição de verdade, um jogo como aquele jogo dos amigos.
O ioiô era o refúgio de Antonio.
Mas os amigos fizeram pilhéria. Os professores fizeram descaso daquele campeonato absurdo – bom era xadrez. De tanto que fizeram pouco, Antonio se inscreveu no tal campeonato. Para mostrar ao mundo que o mundo não sabia de nada.
Domingo de sol improvável naquele mês de tantos ventos e chuvas na cidade.
Recife parou para ver o campeonato pernambucano de ioiô. Jornais dizendo que o próprio Príncipe de Gales também gostava de ioiô.
Ante o olhar espantado de seus competidores. Diante do semblante estupefato dos amigos que se bandearam ao descampado para ver a vergonha do amigo. Sob o semblante severo da comissão julgadora… enfim, pra toda gama de espectadores que trocara o domingo de futebol pelo domingo de ioiô, Antonio mostrou do que era capaz no ioiô.
Durante quinze minutos exibiu piruetas, desenhos, filigranas, truques mágicos e rodopios. Antonio venceu a tudo e a todos. Foi consagrado rei do ioiô, campeão dos campeões, glória do desporto nacional.
Final do certame, caminho de casa, lá estava Antonio e seu amigo no bolso. O único verdadeiro amigo que possuía. O único amigo que estivera com ele após o adeus do seu pai. Seu pai que lhe presenteara com aquele ioiô. Seu Antonio Barbosa que lhe ensinara cada truque daquele ioiô, debaixo das críticas dos parentes e da esposa que não entendiam tamanha paixão por um brinquedo.
Antonio chegou em casa. A mãe disse que estava atrasado para o almoço e que agora só janta. O padrasto gritou que ele não passava mesmo de um irresponsável qualquer.
Antonio não disse nada. 
Foi para o quarto e lá se trancou com o amigo ioiô e a medalha das Lojas Brasileiras.
Pois um campeão não deve chorar…
(Texto de Roberto Vieira)