11 junho 2019

IRE-1264

Era o que estava na Certidão: Ulisses. Vinha de um filme antigo, de homens fortes, que o pai vira, e assim lhe contara. Mas sempre foi Odi, o apelido cuja origem se perdeu.
Novo, quis sair da miséria rodando o mundo, que eram as roças e cidadezinhas perto. Sempre jogando bola. Ganhava pra comida, lugar de dormir, um par de sapatos.
Sem estudo, só com a Certidão – para ele inelegível – amarrotada dentro do plástico.
Começou a entrar nuns times, já ganhando uma coisinha aqui e ali. Mas sempre partia. A pé, de carona, com times visitantes, crescia e se distanciava; quanto mais longe, mais adulto.
E amores. Um deles, uma professora. Ela é quem leu seu nome e o sussurrou.
E contou-lhe a história do herói grego. E leu para ele trechos do livro, explicando a trama e algumas passagens.
Mas por pouco tempo. Deixou-a por outro time, outra cidade, derrotas e vitórias sem nenhuma importância.
Já mais velho, o tempo e a distância o conduziram a lugares que pareciam outro mundo.
O chute fraco, a cabeça inclinada, as costas baixas.
Depois sem amores, sem times, sem forças.
Teve que parar de jogar.
Dormindo no mato, comendo na estrada, mas ainda em frente, adiante, sempre ao contrário de onde viera.
Uma manhãzinha, claro-escuro, o sol no rosto o sobressaltou.
Parecia uma bola subindo aos poucos atrás do horizonte, fatia a fatia, até fazer-se redonda. Como as milhares que dominara, chutara, cabeceara – mas percebeu que aquela era indomável.
Que sua trajetória diária, repetida, é que o dominava.
Que o consumiria cada vez mais rápido.
Fechou os olhos e lembrou-se da professora, deitada em seu peito, depois da primeira noite – a manhã, como agora, surgindo na janela –, balbuciando: "Logo que a Aurora, de dedos de rosa, surgiu matutina".
Ergueu-se, bateu com as mãos a poeira do corpo.
Virou-se para o lado oposto ao da direção em que seguia.
Era hora de voltar.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)