Novo, quis sair da miséria rodando o
mundo, que eram as roças e cidadezinhas perto. Sempre jogando bola. Ganhava pra
comida, lugar de dormir, um par de sapatos.
Sem estudo, só com a Certidão – para
ele inelegível – amarrotada dentro do plástico.
Começou a entrar nuns times, já
ganhando uma coisinha aqui e ali. Mas sempre partia. A pé, de carona, com times
visitantes, crescia e se distanciava; quanto mais longe, mais adulto.
E amores. Um deles, uma professora.
Ela é quem leu seu nome e o sussurrou.
E contou-lhe a história do herói
grego. E leu para ele trechos do livro, explicando a trama e algumas passagens.
Mas por pouco tempo. Deixou-a por
outro time, outra cidade, derrotas e vitórias sem nenhuma importância.
Já mais velho, o tempo e a distância
o conduziram a lugares que pareciam outro mundo.
O chute fraco, a cabeça inclinada, as
costas baixas.
Depois sem amores, sem times, sem
forças.
Teve que parar de jogar.
Dormindo no mato, comendo na estrada,
mas ainda em frente, adiante, sempre ao contrário de onde viera.
Uma manhãzinha, claro-escuro, o sol
no rosto o sobressaltou.
Parecia uma bola subindo aos poucos
atrás do horizonte, fatia a fatia, até fazer-se redonda. Como as milhares que
dominara, chutara, cabeceara – mas percebeu que aquela era indomável.
Que sua trajetória diária, repetida,
é que o dominava.
Que o consumiria cada vez mais
rápido.
Fechou os olhos e lembrou-se da
professora, deitada em seu peito, depois da primeira noite – a manhã, como
agora, surgindo na janela –, balbuciando: "Logo que a Aurora, de dedos de
rosa, surgiu matutina".
Ergueu-se, bateu com as mãos a poeira
do corpo.
Virou-se para o lado oposto ao da
direção em que seguia.
Era hora de voltar.
(Texto de Luiz
Guilherme Piva)