Quatro irmãos.
Do outro lado, outros quatro garotos. Pelada na praia, ou seja, coisa muito
séria.
Duas, três horas
de jogo sem parar.
Céu infinito,
barracas brotando, areia no olho, chute na água, carrinho de milho, suor na
nuca, boca seca, solas rachadas de conchas, miragens – e o sol e o sol e o sol
e o sol.
Gol de um lado,
gol de outro, nunca saía do empate.
O meio-dia
arrebentava, mas um dos irmãos não se cansava. Era o mais forte, o mais calado,
o que não desistia.
Devia estar já
uns 30 a 30, 45 a 45, ninguém aguentava mais.
Mas ele seguia
correndo. Salvava um gol lá atrás, marcava um gol lá na frente.
Todos com as
mãos nas cinturas, as mãos nos joelhos, as cabeças pendendo, turvas.
Menos ele.
Por misericórdia
mútua, decidiu-se que quem fizesse o próximo gol seria o vencedor.
Eis que saiu o
gol dos irmãos – e a vibração foi caírem de costas na água, ou, com o suor,
rolarem à milanesa na areia.
Só que o gol foi
contestado: disseram que a bola passara por cima do chinelo que fazia a função
de uma trave – a outra era a metade de um coco.
Bate-boca geral.
Senões, empurrões, palavrões, pescoções. Depois os entões, os perdões, as
soluções.
Por algum
motivo, decidiu-se resolver a polêmica com uma falta a favor dos irmãos, a três
passos do gol.
Mas os quatro
adversários se amontoaram entre o chinelo e o coco. Não ficou nenhuma fresta.
Impossível
marcar.
Só que foi o
seguinte.
Ele, o mais
forte, calado, se aproximou da barreira e postou-se de costas pra ela, grudado
nos quatro enrodilhados entre as traves, e abriu os braços.
Na hora da
cobrança da falta, ele jogou o corpanzil pra trás derrubando a barreira, com um
baque, a uns dois passos de distância.
Gol aberto, o
espaço entre o coco e o chinelo escancarado, foi só outro irmão tocar, os
quatro comemorarem e acabarem o jogo, deixando perplexos e vencidos os
adversários.
Hoje, Deus e o
diabo jogando dados, os outros irmãos correm sem parar e se lançam sobre o
inimigo para derrubá-lo e deixarem o gol aberto para ele, o mais forte, o mais
calado, marcar.
Pra deixarem o
inimigo no chão, perplexo, vencido.
E comemorarem
que o jogo não tenha acabado.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)