A morte também é assim: você na corrida, com ela dominada, no contra-ataque, depois do meio-campo só tem você e o goleiro, ele sai, vem crescendo, aumentando, você sabe o que fazer, como em tantas outras vezes, ele se agiganta na sua frente, você sai um pouco de lado, ele vai se estatelar, então é só tocar, mas a sombra dele te cega, te puxa pro chão, te imobiliza, a bola segue sozinha até perder a força antes da pequena área, o silêncio no estádio é o de você vagando no miolo da terra sem alto sem oco sem rumo.
A morte pode também ser assim: você recebe, ajeita o corpo, vislumbra a jogada e arqueia o corpo pro lance mais exato e então um carrinho violentíssimo te estraçalha por trás, suas pernas estalam, moem, dobram, desmancham, a dor as anestesia, só dá tempo de você se virar e ver que foi um jogador do seu próprio time, o silêncio no estádio é o de você no centro de um tornado sem vozes sem nada sem nunca.
A morte pode ainda ser assim: você domina, soberano, toca, recebe, vai evoluindo em conjunto com seu time, mas com seu toque se impondo como um vértice das tabelas, como o veio do leito, você sabe que chegará ao outro lado e mais uma vez tocará imbatível pro fundo da rede, mas na intermediária começa uma fraqueza nos joelhos, nas coxas, uma dormência, até uma tontura, você acha que está andando mas agora é como uma esteira pantanosa que te deixa no mesmo lugar e seu time segue tabelando e você se desmilinguindo, sem sair dos mesmos passos, repetindo as mesmas mais fracas pisadas, sem escutar mais nada, sem saber no que deram as tabelas de que você era parte, quem é que vai tocar pro gol, você se esgoela sem som, arregala a boca sem som, engole tudo sem som e o silêncio por dentro de você é o do universo vasto escuro atordoante sem medidas sem sentido sem começo.
Só fim.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)