01 julho 2014

Ex-Craque

Dizem que foi no ano em que ele falhou nos dois gols e deu a virada e o título pro adversário. Mas há quem aposte que foi no ano seguinte, quando ele fez os dois gols da virada e deu o título pro seu time. O certo é que, consagrado, expansivo, popular, naquele período ele mudou, ficou assim meio grogue, olhar fixo, estranho.
Treinava, jogava bem, mas de um jeito diferente. Por um bom tempo. Depois, piorou de vez. Daí a polêmica. No último campeonato, o que ele ganhou, ali do meio-campo às vezes olhava pra trás, pro seu goleiro, às vezes olhava pro outro goleiro – ficava uns segundos, recobrava a atenção, jogava. Normal. Nada mudou.
Só o jeito. Mas ninguém ousava perguntar.
Só agora, velho, acamado, depois de tantos anos, na única vez em que falou desde a internação, conseguiu contar que quando estava enlouquecendo, ou quando achava que estava louco, via uma bola no seu gol e via uma bola no outro.
Que às vezes até se perdia ali no meio de campo querendo pegar uma bola e levá-la pro outro canto. Ali, longe e perto das duas, queria mudar o passado, tirar a que estava em seu gol e botá-la do outro lado.
Não sabe como ocorreu, nem mesmo se foi verdade, mas sabe que conseguiu reverter a realidade e lançar-se ao mesmo tempo à sua meta e à adversária, anulando os gols que sofrera e validando os que marcara.
Mas que não adiantara. Nada, nada, nada, nada. Seu corpo foi campeão. Mas sua alma, derrotada.
Até hoje está lá na cama. Nunca mais disse nada além de uns resmungos, os olhos fechados. Quando abrem parecem vazios.
Olhos de nada. Nem de vivo nem de morto. Nem de herói nem de culpado.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)