Treinava, jogava bem, mas de um jeito diferente. Por um
bom tempo. Depois, piorou de vez. Daí a polêmica. No último campeonato, o que
ele ganhou, ali do meio-campo às vezes olhava pra trás, pro seu goleiro, às
vezes olhava pro outro goleiro – ficava uns segundos, recobrava a atenção,
jogava. Normal. Nada mudou.
Só o jeito. Mas
ninguém ousava perguntar.
Só agora, velho, acamado, depois de tantos anos, na única
vez em que falou desde a internação, conseguiu contar que quando estava
enlouquecendo, ou quando achava que estava louco, via uma bola no seu gol e via
uma bola no outro.
Que às vezes até
se perdia ali no meio de campo querendo pegar uma bola e levá-la pro outro
canto. Ali, longe e perto das duas, queria mudar o passado, tirar a que estava
em seu gol e botá-la do outro lado.
Não sabe como ocorreu, nem mesmo se foi verdade, mas sabe
que conseguiu reverter a realidade e lançar-se ao mesmo tempo à sua meta e à
adversária, anulando os gols que sofrera e validando os que marcara.
Mas que não
adiantara. Nada, nada, nada, nada. Seu corpo foi campeão. Mas sua alma,
derrotada.
Até hoje está lá na cama. Nunca mais disse nada além de
uns resmungos, os olhos fechados. Quando abrem parecem vazios.
Olhos de nada.
Nem de vivo nem de morto. Nem de herói nem de culpado.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)