Um senhor já com
mais de setenta anos, rico, depois de cinquenta anos, resolve voltar anônimo à
sua distante e diminuta cidade de nascença.
Nunca mais ele
voltara. Recentemente, dera uma olhada no Google Earth, mas a foto era borrada
– como ocorre com os lugares desimportantes.
Foi de avião até a
capital, de carro até o hotel da cidade próxima, e de ônibus e roupa comum no
último trecho. Andou pelas ruas conhecidas. Viu casas e semblantes familiares.
Percebeu que ninguém o conhecia. Nem os mais velhos – os quais ele identificava
perfeitamente.
Viu que sua antiga
casa e as vizinhas deram lugar a uma espécie de praça, com um campo de terrão
onde, meio-dia, o sol de quarenta graus, homens, rapazes e meninos jogavam
bola.
Apertou os olhos pra
distinguir as jogadas na poeira. Sentou-se na lanchonete.
Daí a pouco, fim de
jogo, os mais velhos – pouco mais novos que ele – vieram tomar cerveja. Ele
ficou ouvindo.
Até que a conversa –
como todos os domingos – concentrou-se no Palito. “Que jogador!”. “Nunca houve
nem haverá nenhum igual!”.
Eles contam e
recontam entre si que o time local, durante o período em que o centroavante
magro e alto jogara, dos dezesseis aos vinte anos, ganhara tudo. Era um
assombro.
“E aquela vez que
fez o gol de falta do meio da rua?!”. “E a goleada dos quatro gols de cabeça?!”.
Batera o recorde de gols e vitórias na redondeza. Enchia de gente pra ver os
jogos. “Lembram quando ele jogou machucado? Mancando, deu um corte no volante e
bateu no ângulo?!”. O narrador se levanta e imita os movimentos do Palito.
O dono do bar para
pra ouvir. Os meninos ficam em volta. “Na idade de vocês”, um deles fala pros
moleques, “ele era o nosso ídolo”.
Ele respira,
sorrindo, contido. Enche o peito.
“Sumiu. Novo ainda.
Ninguém sabe pra onde. Nem a família sabia. Até que mandou buscar todo mundo.”
Silêncio. Ele cofia
as sobrancelhas suadas. Bebe a água engasgando.
“Ele era um espanto!
Aqui nunca houve ninguém igual. Nem doutor, nem empresário, nem nada. Quem é
daquela época daria tudo pra revê-lo, saber o que houve, contar e recontar os
jogos fantásticos.”
Ele se levanta.
Hesita um pouco. Alisa os cabelos. Olha pra turma. Eles fazem um meneio de
cumprimento com a cabeça.
Sai andando até a
praça. Sorri.
Não era ele, óbvio.
Nunca jogara futebol na vida.
Mas concluiu que
daria tudo o que tinha pra ser o Palito.
(Texto de Luiz
Guilherme Piva)