07 agosto 2014

Palito

Um senhor já com mais de setenta anos, rico, depois de cinquenta anos, resolve voltar anônimo à sua distante e diminuta cidade de nascença.
Nunca mais ele voltara. Recentemente, dera uma olhada no Google Earth, mas a foto era borrada – como ocorre com os lugares desimportantes.
Foi de avião até a capital, de carro até o hotel da cidade próxima, e de ônibus e roupa comum no último trecho. Andou pelas ruas conhecidas. Viu casas e semblantes familiares. Percebeu que ninguém o conhecia. Nem os mais velhos – os quais ele identificava perfeitamente.
Viu que sua antiga casa e as vizinhas deram lugar a uma espécie de praça, com um campo de terrão onde, meio-dia, o sol de quarenta graus, homens, rapazes e meninos jogavam bola.
Apertou os olhos pra distinguir as jogadas na poeira. Sentou-se na lanchonete.
Daí a pouco, fim de jogo, os mais velhos – pouco mais novos que ele – vieram tomar cerveja. Ele ficou ouvindo.
Até que a conversa – como todos os domingos – concentrou-se no Palito. “Que jogador!”. “Nunca houve nem haverá nenhum igual!”.
Eles contam e recontam entre si que o time local, durante o período em que o centroavante magro e alto jogara, dos dezesseis aos vinte anos, ganhara tudo. Era um assombro.
“E aquela vez que fez o gol de falta do meio da rua?!”. “E a goleada dos quatro gols de cabeça?!”. Batera o recorde de gols e vitórias na redondeza. Enchia de gente pra ver os jogos. “Lembram quando ele jogou machucado? Mancando, deu um corte no volante e bateu no ângulo?!”. O narrador se levanta e imita os movimentos do Palito.
O dono do bar para pra ouvir. Os meninos ficam em volta. “Na idade de vocês”, um deles fala pros moleques, “ele era o nosso ídolo”.
Ele respira, sorrindo, contido. Enche o peito.
“Sumiu. Novo ainda. Ninguém sabe pra onde. Nem a família sabia. Até que mandou buscar todo mundo.”
Silêncio. Ele cofia as sobrancelhas suadas. Bebe a água engasgando.
“Ele era um espanto! Aqui nunca houve ninguém igual. Nem doutor, nem empresário, nem nada. Quem é daquela época daria tudo pra revê-lo, saber o que houve, contar e recontar os jogos fantásticos.”
Ele se levanta. Hesita um pouco. Alisa os cabelos. Olha pra turma. Eles fazem um meneio de cumprimento com a cabeça.
Sai andando até a praça. Sorri.
Não era ele, óbvio. Nunca jogara futebol na vida.
Mas concluiu que daria tudo o que tinha pra ser o Palito.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)