Onze camisas e
uma bola. Campinho de barro vermelho. Não tinha lugar pra ele nem pro dinheiro.
Futebol era apenas diversão. Futebol pagão sem lenço nem documento.
Mas o país cartorial exigia que tudo tivesse licença,
atestado, alvará, segunda via e lá se foram os meninos vestirem o uniforme dos
colégios religiosos, das agremiações quatrocentonas, dos clubes de bela e nem
tão bela estampa.
O sujeito não
gostava de bola, mas gostava de estar nas manchetes e fofocas dessa vida
assumiu o futebol. Polainas, gravatas, cartolas e bigodinho, o sujeito
transformou o que era simples em atividade congressual. O fato simples de botar
uma bola entre duas pedras ou duas traves, viu-se subitamente engessado por
dezenas de regras.
Uma dia surgia a federação, noutro a confederação, ali um
tribunal de justiça, acolá um efeito suspensivo.
A religião que
não tinha deus virou Monte Olimpo. Os jogadores eram incensados pelas
multidões; os dirigentes manipulando os cordões do circo de marionetes. Durante
muito tempo, quase um século, a paixão infantil daquele jogo de moleques
suportou a tudo e todos como somente a paixão consegue suportar. Palcos
lotados, gritos histéricos, barbaridades nas arbitragens e nas regras do
esporte toleradas com o mito de que o belo no futebol era o erro. Grana preta
rolando nas bolsas de apostas. Fiéis cegos gritando em êxtase diante dos
pecados capitais: Amém!
O futebol pagão virou Cartolicismo.
Até que as
crianças foram descobrindo que ninguém ressuscitou após o terceiro pênalti…
(Texto de Roberto Vieira)