Pressionavam o motorista para andar mais depressa. Temiam
se atrasar para o jogo – no campo do adversário, em outra cidadezinha, a uns
trinta quilômetros. Ele tentava, acelerava, dava saltos nas arrancadas, mas o
motor já não respondia tanto.
Entraram na cidade consultando os relógios.
De repente, o ônibus parou. O motor ligado, mas sem
movimento.
Começou a gritaria. Partiram para cima do motorista. Ele
apontou o para-brisa: na ausência do domingo, no sol humilhante do domingo, na
poeira do domingo, um enterro entupia a passagem.
Poucas pessoas, maltrapilhas. Mulheres roxas. Crianças de
espiga. Homens vazados. E um caixãozinho de seis palmos carregado por um velho
e uma velha quase inexistentes.
Três torcedores decidiram ir lá tentar abrir caminho.
Pediram calma aos demais, ajeitaram as camisas e os cabelos e desceram.
Andaram no meio do cortejo. Próximos ao caixão, onde havia
mais adultos, falaram, perguntaram, fizeram sinais.
Nada.
Não respondiam. Não se mexiam. Não pareciam vê-los ou
ouvi-los.
Adiantaram-se para perto do velho e da velha. A mesma
coisa. Repetiram: o ônibus, o jogo, o time, os torcedores, o horário.
Nada.
Um deles então viu que o caixão não tinha tampa.
Inclinou-se e olhou.
Viu um menino de uns cinco anos abraçado a uma bola.
Empalideceu, paralisado.
Mostrou com o rosto para os outros dois, que arregalaram
os olhos e congelaram.
Como estavam diante do caixão, impediam o enterro de
avançar.
Mas ninguém os olhava. Todos de cabeça baixa – almas
puídas levando o menino morto com a bola nas mãos no vão do domingo –, parados.
O pessoal do ônibus começou a buzinar, tocar os
instrumentos, gritar, xingar. Iam perder o jogo.
Então o velho e a velha iniciaram, quase em silêncio, uma
ladainha enrolada, numa língua desconhecida. Os de trás os seguiram com vozes
surdas. Um canto estranho – e tão baixo que abafava a zoeira que vinha do
ônibus.
Os três, parados na frente, assustados, não tiravam os
olhos da criança sem cor, esquálida, com a bola na mão.
E então, sem se darem conta, começaram também a balbuciar
a cantiga que todos entoavam.
Pousaram as mãos no peito e puseram-se a andar ao lado do
caixão, murmurando a mesma melodia, a mesma letra irreal, junto com todos.
Os que estavam no ônibus, impacientes, desceram e, com
empurrões, abriram passagem no enterro até chegar lá na frente. Queriam liberar
a rua para o ônibus passar.
Mas viram o caixão. E o esqueletinho abraçado à bola.
Estancaram como à beira de um abismo.
Em volta todos cantavam a canção grave, ininteligível.
Não falaram nada.
Perplexos, vazios, abaixaram as cabeças e, um a um, foram
se juntando ao cortejo e somando suas vozes à cantiga.
E até o final do dia, quando o sol também era sepultado
nos morros, quando a poeira entalava todos os poros, quando o oco da
cidadezinha era fechado sob uma tampa escura, até a hora em que puseram o
caixãozinho num buraco baldio, todos eles, que não mais se lembravam do jogo
nem de si mesmos, seguiram o enterro, sussurraram a mesma canção crespa que os
demais cantavam – cada vez mais baixo, cada vez mais triste, cada vez mais
uníssona.
Antes da primeira pá de terra, com o caixão destampado, o
motorista do ônibus pediu que esperassem. Entrou no buraco, tirou a bola das
mãos e a pôs nos pés do menino. Subiu e sinalizou com a cabeça para que
continuassem.
Com poucas pás estava tudo coberto e acabado.
Mudos, voltaram para o ônibus.
Entraram e sentaram-se em silêncio.
O ônibus arrastando-se na estrada e na noite.
Foi quando alguém, lá no fundo do ônibus, puxou, baixinho,
a mesma ladainha do enterro.
E depois outro.
E mais um.
Até que todos, aos poucos, os seguiram e começaram a
cantar, juntos, quase sem se fazer ouvir, o mesmo canto desconexo e dolorido
com que sepultaram o menino e sua bola.
Como se o trouxessem no colo, como se o ninassem.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)