Não era fácil, mas era natural: pegar
a bola, levantá-la, controlá-la, mantê-la sob domínio – embora muitas vezes
pensasse que a bola é quem dava o ritmo e a trajetória, e que só no final ele
recobrava um pouco da altivez.
Mas há dias, semanas, que ele não
consegue. Olha a bola, toca, dá voltas, segura com as mãos, rola no chão, pisa,
faz menção de levantá-la, mas ela escapa. Joga-a para o alto, tenta apará-la no
peito, mas ela pula longe.
Afasta-se, finge naturalidade e volta
como se aquilo precisasse de um pouco de inconsciência. Chuta-a contra a parede
para, na volta, com o bico do pé, fazê-la subi e descer mansa nas embaixadas.
Nada: ela vem quieta e, ao seu toque, sai torta, parafusada, com medo dele,
fugindo – e se esconde acuada debaixo de algo.
Ele a deixa. Amanhã ou depois será
domada.
Afinal, quem é ela para ter vontades?
É sua razão que dá sentido a ela.
Dias depois, outra tentativa. E
outras.
Fracassos.
Decide então que não é sua razão, mas
seus movimentos, sua experiência empírica em tocá-la, é que conferem validade à
bola e ao ato de controlá-la.
Vai na marra.
Necas.
Cada vez mais acha que está mudo dos
pés.
Ou que a bola está surda.
Tenta mímicas: deixa-a no chão e faz,
no ar, os movimentos do controle para que ela assista, entenda, capitule. Ela
espia sem olhos e estanca.
Tenta sombras: fica contra o sol, à
frente da bola, de frente para o muro, para ver o reflexo escuro da esfera platônica
às suas costas. Então vira-se para enxergá-la iluminada, para que ela se abra,
se revele e se entregue a ele. Ela permanece fechada em sua verdade essencial,
indesvendável.
Ele recua. Sabe que não sabe mais
nada. Que desconhece a si mesmo.
E, por fim, desiste. Vê, sem ação, a
bola se afastando, indo embora, um grão no horizonte.
Percebe que mesmo que corra atrás
dela jamais a alcançará: pontos infinitesimais sempre a separarão dele porque o
tempo, que sempre passava, deixou de existir.
Brincar com a bola agora é só uma
ideia pretérita. Uma parte dele que não existe mais – porque tudo passou e ele
não é mais o mesmo.
Ele entrou de uma vez por todas em
outro rio.
E neste não há bola para se jogar.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)
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