Só que não tinha alambrado.
Cada campo! Às vezes ao lado tinha riacho, bananeira,
ribanceira, porteira, curral, estrada, muro, trilha de boi, formigueiro, ou só
um descampado mesmo, de areia, terra ou capim.
Ele fazia o gol – muitos, aliás – e saía correndo,
olhando, imaginando-se saltando nos buracos de arame e dando os braços para os
torcedores, rodando a camisa sobre a cabeça e jogando-a no meio da galera.
Podiam dar cartão, sem problemas. Se fosse o segundo,
podiam expulsar – nem aí.
Mas queria aquela glória. Vendo na TV abria a boca,
levantava-se, insinuava o mesmo movimento, chegou a pular no sofá – que, fraco
e velho, quebrou e lhe valeu uma bronca da esposa.
Uma vez havia uma cerca. Baixa, velha e de arame farpado.
Chegou a correr na direção dela, mas viu que ela ia desmontar e que ele poderia
se enganchar nos espinhos de ferro. Parou.
Até que um dia – quase sempre é com “um dia” que se fazem
as histórias – foram a um campo melhor. Quase um estádio. Traves de ferro, rede
nova, dois degraus de cimento de um lado para os torcedores, marcação de cal –
e o alambrado!
Dos quatro lados. Com vigas brancas e a tela de losangos
de arame.
Atrás dele, uma dúzia de velhos e meninos, dois vira-latas,
um sujeito magrelo vendendo laranja.
Eu poderia terminar dizendo que ele não fez gol, mesmo
tendo, além de duas chances cara a cara, um pênalti que ele chutou longe. E que
se frustrou a ponto de nem querer mais jogar, ou de não conseguir mais fazer
gol.
Ou que, mesmo assim, sem marcar, ao final do jogo ele
correu até lá, subiu e comemorou emocionado, para espanto dos jogadores e dos
assistentes.
Mas não. Este “um dia” pede outra variação.
Melhor assim: ele fez o gol, o da vitória, no final do
jogo (no último segundo, na verdade), num chute retumbante de fora da área que
bateu na forquilha e estufou a rede.
Ele correu para o alambrado. Ia subir e rodar a camisa e
jogá-la como sempre sonhou.
Mas parou bruscamente a um metro da grade. Com a freada,
os companheiros quase caíram por cima dele. Abraçaram-no, empilharam-se,
ergueram-no nos ombros e o levaram numa espécie de volta olímpica.
Percorreram todo o perímetro lado a lado com o alambrado.
Ele olhava cada gomo vazio, as vigas, os laços em volta das vigas, a cor do
arame, o calibre, o espaço onde poria os pés, imaginava como apoiaria a mão
esquerda e onde a camisa iria cair – talvez no cesto de laranjas.
Mas seguiu nos ombros dos colegas, deixou-se levar ao
barraco que servia de vestiário, ao caminhão, à estrada, ao nunca mais.
E perdeu a vontade. Parou de pensar naquilo. Seguiu
fazendo gols e comemorando no chão, como sempre.
Nem as comemorações da TV o abalavam mais.
Ele sabia que poderia ter feito o que mais queria. Que
seria perfeito, glorioso, como sempre sonhara.
E isso lhe bastava.
(Texto de Luiz
Guilherme Piva)
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