– Volta!
Ele olhou espantado.
– Volta!
Era com ele mesmo.
Centroavante, retornava caminhando depois do ataque perdido. E iria
somente até a intermediária do outro time, ou até o meio de campo, no máximo.
O rapaz gritava com ele:
– Volta pra marcar, porra! Vai ficar olhando?
Parou. Mais de dez anos jogando ali.
Artilheiro. Capitão. Nunca ninguém ousara algo parecido. Nem técnico, nem
torcida, muito menos jogador.
O rapaz, zagueiro, era novo no time. Filho de um morador recém-chegado ao
bairro.
Não voltou. Pôs as mãos na cintura e
ficou olhando. O rapaz foi envolvido pela tabela dos adversários, tentou
bloquear o nove, chegou tarde, caiu, gol deles.
Levantou-se bufando e viu o centroavante lá na frente, assistindo. Foi
andando firme em sua direção. Parecia decidido a enfrentá-lo. Jogadores, torcida, juiz, técnicos, todo mundo olhando.
Parou na frente do centroavante. Ia abrir a boca para xingá-lo ao mesmo
tempo em que movia as mãos para pegá-lo pela gola.
O centroavante foi mais rápido.
Segurou o rapaz pelos punhos, apertou-os de forma dolorida, colou o rosto no
dele e berrou:
– Sabe quando eu vou voltar pra marcar? Sabe? Nunca!
A saliva espirrou no rosto do rapaz.
O veterano o empurrou violentamente.
– Aqui eu faço é gol! Vocês lá atrás marcam! E os do meio me passam a bola
para eu fazer gol!
Pôs o dedo no meio dos olhos do
rapaz.
– Entendeu?
O jovem olhou em volta. O silêncio de
todos parecia dar razão ao centroavante.
Ainda tentou, intimidado:
– Mas, gente. Futebol moderno é
assim. Todo mundo tem que ajudar na marcação. Senão dá nisso: gol deles. Não
viram?
Ficou claro que não tinha entendido nada.
O outro zagueiro foi lá puxá-lo de
volta. Mas ele ainda insistia:
– É jogo coletivo, gente.
O pai dele, do lado de fora, abaixou
a cabeça, entrou em campo, pegou-o pelo braço:
– Vem, filho, vamos embora.
– Mas, pai.
– Vamos, filho, vamos.
Virou-se para o centroavante:
– Desculpa aí. Ele é novo. Fica vendo esses jogos na TV. Desculpa. Não tinha ninguém para entrar no lugar dele. Jogaram o
tempo todo com dez. E o centroavante seguiu sem voltar para marcar.
Perderam feio: seis a um.
Mas o gol foi dele.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)