09 março 2019

IRE-1230

Ponto Futuro
Da primeira vez até impressionou. No meio de campo, olhando o adversário bater escanteio, de costas para o ataque, recebeu a bola rebatida pela defesa, matou no peito, deixou-a descer macio e, de virada, sem que ela tocasse no chão, e sem olhar, lançou de trivela para a ponta esquerda.
Espanto.
Mas não havia ninguém lá.
Ele abriu os braços, lamentando. Abaixou e balançou negativamente a cabeça.
Mas começou a acontecer direto. Escanteio contra, dominava no peito, ou na coxa, ou de chaleira, ou no peito do pé, virava e lançava de primeira nas pontas, ou enfiava entre os zagueiros feito uma tacada de sinuca, a bola lisa, rodando, pronta para ser chutada.
Só que nunca havia ninguém no lugar a que a bola era lançada.
Braços abertos, cabeça baixa, sacudindo.
Todo jogo era isso. Duas, três, quatro vezes por jogo.
Eram peladas, campo torto e esburacado, camisas rotas, alguns descalços – ou seja, jogos da maior seriedade.
A irritação crescia.
Até porque, fora isso, ele pouco fazia. Corridinha pra cá e pra lá, passes fáceis, pro lado, nada de marcar ninguém, chutar a gol, nada.
Só nessa hora é que ele aparecia. Era sua especialidade.
Parecia que adivinhava onde a bola cairia vindo de sua defesa. Ou ela a procurava, vai saber. Domínio, giro, lançamento – e vazio.
Um dos atacantes perdeu a paciência: "Não tá vendo que não tem ninguém na frente? Estão todos atrás ajudando a marcar!".
Ele olhou o colega. Quieto.
O atacante repetiu: "Não tem ninguém lá, não tá vendo?".
Calmo.
"Tô, tô vendo que não tem ninguém lá."
"Então, por que lança?"
Abriu os braços.
"Porque devia ter, pô! Devia ter!"
E balançou a cabeça fazendo "tsk, tsk".
(Texto de Luiz Guilherme Piva)