Um projeto arquitetônico grandioso promete transformar as dunas de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, no modelo de cidade do futuro. Batizada de Masdar City, a construção tem a sustentabilidade como foco e promete ser isenta de emissões de CO2. Para isso, contará com tudo que o conhecimento humano e o dinheiro dos maiores petroleiros árabes podem conseguir, como tecnologia de ponta e investimento da casa dos US$ 22 bilhões.
Segundo o responsável pelo projeto, o renomado arquiteto inglês Norman Foster, o resultado de tanto empenho será uma cidade com matriz energética 100% renovável, uso exclusivo de transporte público, refrigeração natural dos edifícios e ruas da cidade baseada na arquitetura árabe tradicional, e até documentação dos habitantes totalmente digital para evitar o uso de papel.
Por ironia ou não, o projeto, resultado de uma parceria do governo local com os sultões do "ouro negro" dos Emirados Árabes, visa ser um modelo que ajude a preparar o país para a era pós-petróleo, na qual o mundo terá que se adaptar em todas as esferas de produção e consumo.
Mas será que a cidade ultra-sustentável será mesmo um modelo possível de ser reaplicado em todo o mundo? Para o crítico em arquitetura do jornal New York Times, Nicolai Ouroussoff, o projeto não passa de uma "Disneylândia" verde. Em um artigo publicado no jornal de domingo, 26 de setembro, Ouroussoff falou sobre as impressões de sua visita ao projeto, que já está pronto para receber os primeiros moradores.
Para Ouroussoff, a cidade não é apenas uma miragem futurista e tem muitos pontos positivos, como a integração entre tecnologias de última geração e o design antigo das cidades árabes, inserida em uma sociedade que convive com o tradicional e o moderno diariamente. "Uma visão que, a princípio, transborda esperança", afirma.
Mas basta ser analisado mais profundamente para que o projeto comece a revelar seus pontos fracos. Segundo a questão levantada por Ouroussoff, a aparente "sustentabilidade" de Masdar City pode estar fadada a permanecer presa na areias de Abu Dhabi, e inacessível ao resto da humanidade. "O projeto reflete uma mentalidade de condomínios fechados que tem se espalhado pelo mundo como um câncer durante décadas. Sua pureza utópica e seu isolamento da vida das cidades reais estão fundamentados na crença, ao que me parece aceita pela maioria das pessoas hoje, de que a única maneira de criar uma comunidade verdadeiramente harmoniosa, verde ou não, é isolando-a do mundo em geral".
Para o colunista ambiental da revista TIME, Bryan Walsh, se Masdar só puder ser sustentável caso permaneça isolada do resto do mundo, nunca será mais do que uma "experiência agradável". Ele lembrou que mais de metade da população mundial, cerca de 3,3 bilhões, vive em cidades - um número que deverá subir para cerca de cinco bilhões até 2030.
Além disso, a maioria dessas pessoas estará vivendo em megacidades de países pobres ou em rápido desenvolvimento, como Lagos ou Karachi, onde é difícil imaginar o tipo de controle social que existe em Masdar.
Ainda que afirme saber que a visão de Foster não seja essa, Ouroussoff defende que a cidade árabe é uma representação de um fenômeno global que tem divido o mundo em guetos, onde questões como a sustentabilidade pouco importa. Para ele, essa tendência surgiu na década de 1970, quando a noção de que um planejamento pensativo poderia melhorar a vida de pessoas em todo o mundo.
"Com isso, as classes rica e média instruída tem encontrado cada vez mais conforto em se isolar em uma variedade de mini-utopias. Isso levou não apenas à proliferação de condomínio fechados suburbanos, como também à transformação dos centros de cidades como Paris e Nova York em parque de diversões para turistas e ricos. Masdar é a culminação desta tendência: uma sociedade auto-suficiente, levantada sob um pedestal e fora do alcance da maioria dos cidadãos do mundo."