03 janeiro 2013

Gol 1000

O milésimo gol está prestes a se tornar banalidade, mas antigamente era coisa muito séria, seríssima!
Ele marcou o milésimo gol na escola.
Em segredo.
Na pelada do recreio.
Não teve foto, nem festa, nem sorvete de chocolate.
Apenas a sensação do dever cumprido.
Futebol é bola na rede, segundo seu pai.
Embora a barra da escola não tenha rede.
Nem barra.
É apenas um espaço entre dois paralelepípedos no infinito infantil.
Coisa estranha.
Na noite do milésimo gol não dormiu direito.
Sonhou com a palmatória na escola.
Sonhou com o padre e diretor falando do inferno.
Acordou assustado.
Não dormiu mais.
As aulas de matemática e geografia pareceram intermináveis.
Ficava pensando no caderninho na bolsa.
999, 999, 999, 999.
A tampinha de refrigerante caiu no seu kichute direito.
O chute saiu certeiro.
Gooool.
Queria correr para os braços do pai.
Sentir o beijo da mãe.
Calou-se.
Escreveu no caderno.
1000, 1000, 1000, 1000.
Segredo particular, particularíssimo.
Ele e Deus na sacristia.
Caminhando pra casa na Conde da Boa Vista, soluçou.
Mas um homem não deve chorar, segundo seu pai.
Nem no dia do seu milésimo gol.
(Texto de Roberto Vieira)