Ele marcou o
milésimo gol na escola.
Em segredo.
Na pelada do
recreio.
Não teve foto,
nem festa, nem sorvete de chocolate.
Apenas a
sensação do dever cumprido.
Futebol é bola
na rede, segundo seu pai.
Embora a barra
da escola não tenha rede.
Nem barra.
É apenas um
espaço entre dois paralelepípedos no infinito infantil.
Coisa estranha.
Na noite do milésimo gol não dormiu direito.
Sonhou com a
palmatória na escola.
Sonhou com o
padre e diretor falando do inferno.
Acordou
assustado.
Não dormiu mais.
As aulas de
matemática e geografia pareceram intermináveis.
Ficava pensando
no caderninho na bolsa.
999, 999, 999,
999.
A tampinha de
refrigerante caiu no seu kichute direito.
O chute saiu
certeiro.
Gooool.
Queria correr
para os braços do pai.
Sentir o beijo
da mãe.
Calou-se.
Escreveu no
caderno.
1000, 1000,
1000, 1000.
Segredo
particular, particularíssimo.
Ele e Deus na
sacristia.
Caminhando pra
casa na Conde da Boa Vista, soluçou.
Mas um homem não
deve chorar, segundo seu pai.
Nem no dia do
seu milésimo gol.
(Texto de Roberto Vieira)