Quando eu era
menino, qualquer coisa no chão ao meu redor que pudesse ser chutada eu chutava:
latas, tampinhas de garrafa, laranjas, pedaços de bola de borracha, e até
bolas.
As de capotão, mais caras, eu raramente chutava, porque
ninguém da minha turma as tinha. Para os joguinhos a gente usava bolas de
borracha ou de meia, que a gente fazia em casa.
Cresci achando
que o futebol era meu, o que quer dizer que eu e todos os meus amigos achávamos
que aquilo era uma coisa que nos pertencia.
E tínhamos razão, porque somos os donos de todas as coisas
da nossa cultura.
É por isso que
somos brasileiros, e é por isso que em outros lugares outras pessoas são
inglesas ou argelinas.
Somos o que somos porque vemos e jogamos futebol, porque
comemos certas comidas, porque praticamos certas religiões, ouvimos nossas
músicas, dançamos nossas danças e falamos nossa língua.
Foram os
carnavais e as peladas na rua que nos fizeram brasileiros.
Por isso o futebol é nosso, é forte, é poderoso, está em
nossas entranhas e mobiliza nossas paixões.
Quando me
envolvo no futebol, assim como quando me envolvo no samba ou na feijoada, me
emociono, me apaixono, fico à flor da pele, e fica fácil mexer comigo, me
alterar, me emocionar.
E aquele povo que só pensa em dinheiro, os tais agentes do
mercado, percebendo isso, resolveu se apoderar do futebol para fazer dele um
grande negócio, já que se apoderando do futebol pode mexer com minha paixão e
me convencer a comprar as coisas que eles têm para vender.
Chegam ao ponto
de me vender o próprio futebol que já é meu.
E depois vendem todas as quinquilharias de que eu nem
preciso, mas que acabam me convencendo que preciso.
E porque o
futebol é meu eu acho que devo defendê-lo dos vendilhões do templo.
Mas eu também aprendi que esses vendilhões não são bobos e
não vão entregar com facilidade sua galinha dos ovos de ouro.
Eu e meus amigos
donos do futebol teremos que trabalhar duro.
Sabemos o caminho para defender nosso futebol e nossa
cultura: é a educação.
A educação é o caminho
de emancipação de um povo.
É a educação bem feita que produz a consciência, aquele
instrumento de libertação que fica adormecido dentro da maioria de nós e só
pode ser despertado pela educação boa, a educação que incomoda, a educação que
gera os conflitos que fazem essa consciência despertar de seu sono letárgico na
maioria das pessoas.
(Texto de João Batista Freire, professor da
Unicamp)