Maria apanhava muito.
Mas não era santa, já que traia José quase semanalmente.
Toda vizinhança sabia da relação conturbada, mas não desconfiava
que chegaria as vias de fato, afinal, nada prendia Maria a José. Não tratava-se
de um sequestro, mas sim de um casamento.
Se Maria estava lá é
porque queria estar. José, então, é problema dela. Não dos vizinhos.
Um dia José informou em casa que havia convidado 2 casais de
amigos para um churrasco. Maria questionou sobre a churrasqueira e José
prometeu construir uma a tempo, já que o tal evento aconteceria apenas dali a 2
meses.
Em dúvida sobre a ideia,
Maria questionou o preço da churrasqueira.
José disse que podia pagar. Que valorizaria o imóvel num futuro.
Maria aceitou. Sorriu,
pensou na picanha e nas boas risadas que daria no tal churrasco.
Enquanto interditava o quintal para obras, José teve que
desligar a máquina de lavar de Maria por alguns dias. Ela se irritou.
Discutiram. Rebelde,
Maria disse que não queria mais receber ninguém.
José ponderou que já tinha feito a maior parte da obra, que seus
amigos viriam de longe e que não era elegante e nem muito possível desfazer o
convite.
Então, Maria surtou.
José a espancou mais uma vez. Chorando, foi ao banheiro tentar
fazer com que ninguém ouvisse as lágrimas incoerentes de quem se mantém casada
por vontade própria, mesmo que agredida constantemente.
A noite, foi pro samba
trair o marido como “vingança”. E assim, entre socos e mentiras, mantiveram um
lar de aparências, uma bomba relógio prestes a explodir.
Chegou o final de semana do tal churrasco. Ao acordar no sábado,
prestes a ir ao aeroporto receber as visitas, José se deparou com Maria sentada
amarrada a churrasqueira gritando: “Não vai ter churrasco!”.
José argumentou ainda
ponderadamente que não dava mais pra cancelar. As visitas já haviam chegado e
que não era prudente punir as visitas por problemas internos.
Afinal, que culpa tem os hospedes?
Rebelde, cansada,
desgostosa com a própria omissão e covardia, Maria gritou mais alto. Não queria
mais apenas se impor a José, mas sim a vizinhança inteira.
José a agrediu mais uma vez. Desta, sem deixar marcas para que
as visitas não notassem.
As visitas chegaram e
José foi logo mostrando a churrasqueira nova onde fariam o tal churrasco. As
crianças foram receber as visitas e com a alegria e pureza de quem só enxergava
uma tarde feliz em meio a tanta confusão.
Sentindo-se traída pelo marido, pelos filhos e principalmente
por si mesma, Maria esperou todos sentarem, José acender o carvão e então
desceu as escadas gritando que havia sido agredida.
As visitas não sabiam
o que fazer. Maria se jogava no chão e contava barbaridades em prantos, como
quem pede ajuda. Os vizinhos ouviram, se aproximaram, tentaram conter José, que
já ameaçava agredi-la novamente.
Um tumulto daqueles. Veio a polícia, o bairro todo passou a
saber que aquela família era uma mentira e José, violento.
Quebra-quebra, picanha
voando, muita discussão e mesmo quando tudo se acalmou, não havia clima para
churrasco.
Os hospedes se foram, a carne estragou. A churrasqueira,
novinha, sofreu danos em meio a confusão. E Maria, agora vítima de um marido
cruel aos olhos de todos, se via amparada por um monte de gente que não lhe dá
a mínima.
A noite, quando todos
vão embora, Maria se deita ao lado de José e faz sexo com ele.
Pela manhã, sai de casa ainda machucada e todos na rua olham com
pena, com a certeza que ali vai uma mulher livre de seu marido cruel para não
mais voltar.
Maria encontra seu
amante. Passa a tarde com ele e volta para José, causando espanto na
vizinhança.
Ao entrar em casa Maria olha as crianças, a churrasqueira
quebrada, José bêbado no sofá e diz:
- Vamos consertar a
churrasqueira?
- Porra, Maria! Tu quebrou tudo, estragou o churrasco, me fodeu
na frente das visitas e agora quer que eu conserte a churrasqueira?!
- Agora que já fez,
adianta deixar ai quebrada? Vê quanto é e conserta.
- E os nossos amigos, Maria? Como fica?
- Convide-os para um
final de semana em casa e uma feijoada.
- Mas aí tem que consertar o fogão, trocar a cama e fazer um
quarto de hospedes pra caber todo mundo!
- Tudo bem, José. É
até bom. Valoriza o imóvel…
- E a gente?
- O que tem a gente?
- Tudo bem?
- Tudo. Normal… Você
leva as crianças na escola?
- Levo…
------ (Texto de Rica Perrone)