Jogadores, torcedores
e transeuntes ouviam tudo ao vivo. Mas em todos os cantos a voz chiada e
tremida juntava grupos nas casas, nas lojas, nas vendas, nos postos – e, a cada
menção, os tapinhas nas costas, os sorrisos, as mãos em taça nas mandíbulas
abertas.
Os parentes dos
jogadores a comprovar sua glória. Os amigos a salivar as saudações do narrador.
Os anunciantes a entrever as ruas cheias de neons sonoros.
O speaker
caprichava. Era um rapaz magrelo, que repetia umas poucas expressões dos
locutores famosos em meio aos milhares de citações de todos os jogadores,
amigos, autoridades e anunciantes.
Sucesso total.
Num domingo de
Páscoa, porém, jogo festivo, o padre abriu o evento, na tribuna o prefeito e a
família, a potência do som aumentada: mais fios, mais antenas e botões e,
novidade maior, caixas de som nos quatro cantos do alambrado!
“Abrem-se as
cortinas do espetáculo!”
Aquilo era mais
emocionante do que o jogo.
Não deu cinco
minutos, o chiado e o zunido vieram fortes. Um estalo assustou todo mundo.
Mas eis que os
barulhos sumiram e a voz ficou clara, redonda, enlevada.
Só que era um
curto-circuito num dos fios perto da Kombi, o eletricista em desespero porque
ia dar pane em tudo, o narrador sem perceber seguiu seu trabalho (“Neca passa
pro Elpídio, que bola bola!, Elpídio, dez é a camisa dele, a camisaria Paris é
a que tem os melhores produtos com os menores preços”), o eletricista fez uma
gambiarra malfeita e gerou uma onda de energia no sentido Kombi-microfone (“no
mercado Céu Azul tem de tudo, e um abraço pra família Miranda, no Paraíso Alto,
aquele café da Dona Mércia não tem igual, o Tecão do Sindicato, pro Seu Lima,
da Funerária Recomeço, minha mensagem de amizade”) e chegou às mãos do speaker
como um coice elétrico (“Elpídio, de primeira, saudamos principalmente
o senhor prefeito e a sua senhora, a quem enviamos nossa mensagem especial…”), aí a descarga de
alta voltagem colou sua mão no microfone, fez seu corpo sacudir de dor, e os
palavrões saíram gritados, em série – “PQP! C…! Vai tomar no …! FDP!” – e repetiam-se sem
parar.
O jogo parou. Os
torcedores e jogadores olhavam pra cima. Nas casas, lojas, postos, mesmo na
Casa Paroquial tinha gente ouvindo, mãos em leque na boca, um pavor.
Até que o
eletricista conseguiu. O microfone parou de tremer. O speaker, sem lucidez,
branco, fraco, tonto. Vendo os jogadores parados, e sem se dar conta do que se
passara, fez a saudação final: “aqui se encerra nossa jornada
esportiva dominical, fecham-se as cortinas do espetáculo!”.
A essa altura o
cara da Kombi e o menino dos fios já tinham sumido. Ele respirou um pouco,
recobrou as forças e, meio ausente, desceu da laje.
E sorriu,
imaginando que brilhara: na sua frente, como nunca antes ocorrera, havia uma
multidão.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)