Foi há muito tempo.
E por acaso.
Aconteceu aos poucos. Uns de fora, outros dos aspirantes e
alguns que com o tempo pediram pra não usarem os apelidos – e com razão:
“Bostinha”, “Três-pernas”, “Defunto” e “Burrão”, dizem, são só alguns exemplos publicáveis.
Quando se viu, o
time da cidade tinha, em dado período, Jesus, Moisés, Jeová, Abrão, Isáqui,
Ismael, Oziris, David, Dionísio, Marramédi e o goleiro Brahma (o único que
manteve o apelido, derivado do hábito alcoólico e do número da camisa). Sem
contar o massagista, que, careca e gordo, ganhou o epíteto de Buda. Faltava só
um Kardec – fisicamente, ao menos.
O time inspirava respeito. Porque era bom e porque todos
evitavam ofender os jogadores. Nunca se ouviu um “vai tomar no …, … (um dos
nomes acima)!”.
Poderia até ter
feito história.
Mas durou pouco.
Quase não há
registro.
Há alguns recortes marrons incompletos. Uma foto sem
identificação dos jogadores na casa do avô do dono do bar. Mas muitos oralmente
repassam a verdade ou a lenda – contando com a fé dos ouvintes.
É o meu caso,
que reproduzo tal como ouvi de um deles.
A parte principal é a do jogo decisivo em que o time
estava tomando um passeio de, digamos, 6 a 1.
Perplexa, sem
ter como reagir, a torcida resolveu rezar, orar, suplicar, rogar, implorar,
prometer, pedir, meditar – em suma, usar todas as formas que eles conhecessem
de lançar suas preces para virar o placar nas religiões evocadas pelos nomes
dos jogadores.
De joelhos. Mãos postas. Olhos fechados. Mãos elevadas.
Sinais. Ritos. Balbucios. Até umas velas e imagens foram registradas.
Muitos
perceberam que aquilo era estranho. Que a imaginação e o desejo confundiram a
razão das pessoas. Mas aderiram, porque a humilhação era grande e não custava
tentar.
Mas não só não adiantou como no meio do segundo tempo um
dos jogadores, irritado com os demais, esbravejou e fez um gol contra de
propósito: 7 a 1!
Há versões para
todos os gostos e orientações quanto a quem teria cometido o ato.
O certo é que, em meio ao sagrado e transcendental
silêncio – as mãos unidas, as faces pro céu – dos presentes, quebrou o maior
pau.
No próprio time.
Porrada, ofensa, chave de braço, cutelada, gravata, balão, pontapé, areia no
rosto, unhada, joelhada na costela – o espanto dos adversários e dos torcedores
impediu qualquer intervenção. A violência aumentava mais e mais e parecia que
não ia parar.
Mas parou. Foi parando, parando, parando e parou.
Mas ali acabou o
time.
Todos foram embora. Ninguém falou do assunto por muito
tempo.
E só
recentemente é que o episódio ganhou curso, com lembranças ou ilusões que um
veterano torcedor externou num evento qualquer.
Muitos ainda garantem que é mentira.
Eu acredito.
Vocês, só se quiserem.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)