Mas são cartas
diferentes das cartas de outra época, classicamente relacionadas a amor e
saudades.
Como a da
história que o Tostão contou há tempos.
Um colega dele
do Cruzeiro ou da Seleção, que não sabia escrever, pediu-lhe, numa excursão
longa à Europa, que escrevesse uma carta à amada no Brasil.
O Tostão
prontificou-se e, caneta e papel em mãos, esperou o ditado. Houve um longo
silêncio e o colega então pediu: “escreve umas coisas bonitas, que falem assim
de estrelas, de eternidade”.
Muitas cartas de amor eram anônimas. Como as que, numa
cidadezinha do interior, um goleiro começou a receber.
Toda semana o
vigia do campo lhe trazia o envelope deixado sob o portão.
Declarações de
amor, promessas, elogios, suspiros – e até, talvez, estrelas e eternidade.
Cartas com
perfume. Com desenhinhos de coração. Com a letra bordada.
Diziam sempre
que a autora estaria no próximo jogo só para vê-lo.
Ele passava o
jogo olhando pro alambrado, pros degraus da torcida, pra laje atrás do seu gol,
tentando achar um rosto, um sorriso, um olhar que denunciassem a missivista.
Nada.
Sofria a cada
jogo.
A consequência é
que os gols tomados aumentaram.
Todo jogo uma ou
duas falhas.
Acabou afastado
do time titular.
E as cartas cessaram.
No banco de
reservas, seguia a busca com os olhos, agora mais agoniado.
Perguntava ao
vigia, mas nenhum envelope chegava.
Até que chegou
uma. Mas o vigia lhe disse que era para o novo goleiro titular. Ele a arrancou
das mãos do vigia, abriu e leu: a mesma letra, as mesmas palavras, o mesmo
perfume, os coraçõezinhos, as juras, as declarações.
Uma punhalada.
Mas deduziu que,
de duas, uma: ou a autora gostava mesmo é de goleiro em ação, ou alguém,
adversário, fazia aquilo para distraí-los.
Deixou as novas
cartas chegarem ao seu substituto. Que, do mesmo modo, começou a tomar gols
fáceis e perdeu a posição.
De volta ao gol
titular, proibiu o vigia de lhe entregar as cartas que chegassem. Era pra
rasgar e queimar – “para não sofrer mais”, disse.
E nunca mais
saiu do time.
Mas até hoje
sente uma saudade imensa daquelas palavras, daquele perfume, daqueles desenhos.
À noite, relê as
cartas antigas e fica, comovido, olhando as estrelas e pensando na eternidade.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)