25 janeiro 2016

Cartas Anônimas

As cartas voltaram à moda – ao menos ao noticiário.
Mas são cartas diferentes das cartas de outra época, classicamente relacionadas a amor e saudades.
Como a da história que o Tostão contou há tempos.
Um colega dele do Cruzeiro ou da Seleção, que não sabia escrever, pediu-lhe, numa excursão longa à Europa, que escrevesse uma carta à amada no Brasil.
O Tostão prontificou-se e, caneta e papel em mãos, esperou o ditado. Houve um longo silêncio e o colega então pediu: “escreve umas coisas bonitas, que falem assim de estrelas, de eternidade”.
Muitas cartas de amor eram anônimas. Como as que, numa cidadezinha do interior, um goleiro começou a receber.
Toda semana o vigia do campo lhe trazia o envelope deixado sob o portão.
Declarações de amor, promessas, elogios, suspiros – e até, talvez, estrelas e eternidade.
Cartas com perfume. Com desenhinhos de coração. Com a letra bordada.
Diziam sempre que a autora estaria no próximo jogo só para vê-lo.
Ele passava o jogo olhando pro alambrado, pros degraus da torcida, pra laje atrás do seu gol, tentando achar um rosto, um sorriso, um olhar que denunciassem a missivista.
Nada.
Sofria a cada jogo.
A consequência é que os gols tomados aumentaram.
Todo jogo uma ou duas falhas.
Acabou afastado do time titular.
E as cartas cessaram.
No banco de reservas, seguia a busca com os olhos, agora mais agoniado.
Perguntava ao vigia, mas nenhum envelope chegava.
Até que chegou uma. Mas o vigia lhe disse que era para o novo goleiro titular. Ele a arrancou das mãos do vigia, abriu e leu: a mesma letra, as mesmas palavras, o mesmo perfume, os coraçõezinhos, as juras, as declarações.
Uma punhalada.
Mas deduziu que, de duas, uma: ou a autora gostava mesmo é de goleiro em ação, ou alguém, adversário, fazia aquilo para distraí-los.
Deixou as novas cartas chegarem ao seu substituto. Que, do mesmo modo, começou a tomar gols fáceis e perdeu a posição.
De volta ao gol titular, proibiu o vigia de lhe entregar as cartas que chegassem. Era pra rasgar e queimar – “para não sofrer mais”, disse.
E nunca mais saiu do time.
Mas até hoje sente uma saudade imensa daquelas palavras, daquele perfume, daqueles desenhos.
À noite, relê as cartas antigas e fica, comovido, olhando as estrelas e pensando na eternidade.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)