13 março 2016

De Calcanhar

Igualmente magro e alto, ele tinha visto uns lances do Sócrates e começou a dar passes de calcanhar. Errava feio (o passe e, muitas vezes, a própria bola), mas fazia o tendu elegante como o Doutor.
Mais lances ele via na TV, mais ele imitava. Pelo alto, rasteiro, pra frente, pra trás – às vezes, virava-se só pra executar o passe.
Errava todos. Travava o ataque. Matava as tabelas.
O pessoal da pelada foi se enchendo. Ele insistia.
Reclamavam. Nada.
Xingavam. Nem aí.
Ameaças. Seguia tentando.
Até que um dia ele conseguiu o espantoso.
Do meio de campo, de costas para o seu ataque, recebeu a bola, abriu as pernas e, sem virar a cabeça – afinal, era um bailarino –, de primeira, deu o passe de calcanhar certeiro qual uma tacada de sinuca.
A bola foi como um rastilho em meio aos adversários e encontrou o atacante lá na área se deslocando na cara do gol – foi só tocar e sair, com todo o time, atrás do autor do passe para abraçá-lo.
Mas ele, blasé, fez que não ligava. Recusou os abraços. Afastou-os com o olhar e os gestos severos.
E parou.
Nunca mais tentou o lance.
Ninguém entendeu.
Todos supunham que ele queria deixar imortalizado o lance. Como se qualquer novo erro viesse a esfarelar a obra-prima.
Mas não perguntavam temendo que ele voltasse com a mania.
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