A rua era quase uma ladeira. E de paralelepípedo. Não era fácil
dominar a bola. Fora as divididas, rebatidas, espirradas.
Com isso, ela
toda hora rolava ladeira abaixo. Umas vezes dava pra pegar pertinho; mas quase
sempre ela descia rapidamente até o terreno baldio no final da ladeira, quase
500 metros adiante.
Sempre sobrava pro menorzinho buscar. Só o deixavam jogar
por causa disso.
Ele reclamava,
mas davam-lhe cascudos e socos, xingavam, ameaçavam tirá-lo e ele acabava indo,
as pernas curtas, embalado chorando morro abaixo, devagar chorando morro acima.
Dez, vinte vezes por jogo.
Queria jogar. A
condição era essa.
Mas um dia ele não voltou.
Todo mundo
esperando, estranhando o tempo. Sentaram-se. A tarde já ficando escura.
Decidiram descer todos: uns com raiva, prometendo surrar o
moleque, outros com receio de que algo tivesse ocorrido.
No final da
ladeira o medo era unânime. Foi sequestrado? Atropelado? Os pais dele vão nos
matar. A polícia vai nos prender.
Entraram no terreno baldio. Entulhos, mato, tambores,
mosquitos, monturos, poças. E escurecendo.
Gritaram o nome
dele.
Nada.
O medo e a noite
fizeram todos saírem. Subiram a ladeira devagar e apavorados.
Em silêncio.
Chegaram aos
chinelos.
Olharam em volta pra ver se ele tinha voltado – embora não
houvesse outro caminho.
Chamaram,
gritaram.
Nada.
Na penumbra espessa
calçaram as traves e decidiram ir à casa dele, com medo, contar aos seus pais.
Bateram palmas.
Nada. Casa
vazia.
Mas como? A família era grande, estavam todos ali pouco
antes.
Empurraram a
porta. Tudo vazio, empoeirado, bolorento, malcheiroso.
Como se nunca ninguém tivesse morado ali.
Rangidos no
fundo. Vento.
Tremiam.
Um grito
(“gol!”) – a vozinha dele, muito alta e fina – fez todos correrem.
No escuro, um deles tropeçou em algo e caiu de cara no
chão.
Era a bola.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)