(Enquanto a bola descia, lembrou-se de outro jogo, anos
antes, em que ele era o nove e aguardava o lançamento do meia, que também
acabara de dominar a bola no peito. Ele então correra entre os beques e
receberia o passe na cara do gol, mas o meia desviara o olhar e dera o passe
para o volante ao seu lado – só que ele é quem fora xingado pela torcida, por
ter corrido para o lado contrário ao que deveria.
Lembrou-se também – a bola passando pelo quadril – de que,
naquele jogo, depois de não receber o passe do meia e ser xingado, lembrara-se
de um jogo anterior, no qual ele era o meia-direita, e de que dominara no peito
e vira o centroavante correndo, mas escolhera não fazer o passe para ele e sim
dar a bola para o volante ao lado – tendo sido, por isso, xingado pelos
torcedores.
E lembrou-se em seguida – a bola perto do joelho – de que,
nesse jogo mais antigo, depois de dar o passe pro volante, lembrara-se de um
jogo no início da carreira em que ele era o volante e recebera o passe do meia,
que, em vez de enfiar a bola pro centroavante, preferira lhe passar a bola – e
que ele não soubera o que fazer e a perdera, o que o fizera ser xingado na
arquibancada.
E ainda – a bola na altura da canela –
lembrou-se de que, no jogo em que ele era o volante, lembrara-se, depois de
receber o passe e perder a bola, de que anos antes, jovem, na arquibancada,
assistira a lances parecidos e xingara ora o centroavante, ora o meia e ora o
volante.)
Quando a bola parou no seu pé, enfiou-a para o
centroavante correndo atrás dos zagueiros, mas errou o passe e armou o
contra-ataque adversário, e só então viu que o volante ao seu lado pedia a
bola.
E então escutou um torcedor chamando-o de burro e não soube se aquilo era real ou se
era uma lembrança sua durante um lance que ainda ocorreria no futuro.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)