23 julho 2016

Burro!

Meia-esquerda, matou a bola no peito e olhou adiante procurando o nove.
(Enquanto a bola descia, lembrou-se de outro jogo, anos antes, em que ele era o nove e aguardava o lançamento do meia, que também acabara de dominar a bola no peito. Ele então correra entre os beques e receberia o passe na cara do gol, mas o meia desviara o olhar e dera o passe para o volante ao seu lado – só que ele é quem fora xingado pela torcida, por ter corrido para o lado contrário ao que deveria.
Lembrou-se também – a bola passando pelo quadril – de que, naquele jogo, depois de não receber o passe do meia e ser xingado, lembrara-se de um jogo anterior, no qual ele era o meia-direita, e de que dominara no peito e vira o centroavante correndo, mas escolhera não fazer o passe para ele e sim dar a bola para o volante ao lado – tendo sido, por isso, xingado pelos torcedores.
E lembrou-se em seguida – a bola perto do joelho – de que, nesse jogo mais antigo, depois de dar o passe pro volante, lembrara-se de um jogo no início da carreira em que ele era o volante e recebera o passe do meia, que, em vez de enfiar a bola pro centroavante, preferira lhe passar a bola – e que ele não soubera o que fazer e a perdera, o que o fizera ser xingado na arquibancada.
E ainda – a bola na altura da canela – lembrou-se de que, no jogo em que ele era o volante, lembrara-se, depois de receber o passe e perder a bola, de que anos antes, jovem, na arquibancada, assistira a lances parecidos e xingara ora o centroavante, ora o meia e ora o volante.)
Quando a bola parou no seu pé, enfiou-a para o centroavante correndo atrás dos zagueiros, mas errou o passe e armou o contra-ataque adversário, e só então viu que o volante ao seu lado pedia a bola.
E então escutou um torcedor chamando-o de burro e não soube se aquilo era real ou se era uma lembrança sua durante um lance que ainda ocorreria no futuro.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)