- Mudou de time?
- Ficou louco?
- Tá de brincadeira?
- Vá to…
Ele nem aí. Resolveu.
Apareceu na rua da vila, sábado de manhã, com a camisa do maior adversário.
Sentou-se no boteco, como sempre. Os amigos riram, perguntaram se era trote, se
era aposta, o que era.
- Nada. Mudei de time.
Todos sempre torceram
para o time que agora ele abandonava. Iam aos jogos. Eram sócios. Filiaram-se à
torcida organizada. Álbuns, camisas, bandeiras, cartões de crédito, até a
latinha de cerveja. Depois do espanto, certificaram-se de que era sério.
Houve um empurra-empurra barulhento, cadeiras levantadas, o pessoal da rua teve
que intervir.
Ele se sentou de novo,
sozinho. O pessoal foi embora olhando pra trás, vendo-o no bar com a camisa
odiada.
Um deles não se
aguentou. Quis correr de volta pro bar, com raiva. Os outros o detiveram. Ele,
com lágrimas, vermelho, o pescoço inflado de veias, gritava:
- Não tá feliz, muda
de sexo, porra! A gente aceita! Mas de time, não! Pelo amor de Deus!
Domingo a mesma coisa.
Ele, na janela, vendo todos o apontarem.
Pôs a camisa adversária e foi pro bar.
Pôs a camisa adversária e foi pro bar.
Outro corre-corre.
Ligaram pro dono ameaçando pôr bomba no estabelecimento. Preocupado, o garçom
pediu a ele que se retirasse.
Ele parou na porta, fumou, alisou a camisa e seguiu pra casa.
Ele parou na porta, fumou, alisou a camisa e seguiu pra casa.
Durante a semana, só
silêncios e agressões virtuais.
Na sexta à noite, a
mulher o procurou.
- Vou embora.
- Quê?
- Vou embora.
Encontrei outra pessoa.
- Outra pessoa? Que
história é essa?
- …
- Seu ex-namorado?
- Não.
- O cara da
autoescola? Eu vi ele se jogando em cima de você durante a aula.
- Não.
- …
- É a Cleide.
- Como a Cleide?!
- A Cleide. Do salão.
- A Cleide é mulher!
Tá doida?
- Não. É do que eu
gosto. Sempre desconfiei. Assumi.
- De mulher? Você
gosta de mulher?
- Gosto. A Cleide
também. Resolvemos morar juntas.
Ela saiu e ele ficou
atônito.
Não dormiu.
No sábado cedo
apareceu no bar com a camisa do antigo time. Os amigos olharam, se aproximaram
devagar, perguntaram, foram se certificando, até terem certeza.
Deram-se um abraço
enorme.
- É assim que se fala!
- Ê, companheiro!
- Sempre unidos!
- Brinda aqui!
- Quase nos matou com
essa doideira!
Sentaram-se. No
silêncio dos goles aproveitou e disse.
- Mas tem uma coisa.
O olhar de todos, mãos
nos copos, copos nas bocas.
- Vou mudar de sexo.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)