19 janeiro 2017

Torcida Única

Morava numa pensão ali em frente. Era feriado, almoçou tarde, andou um pouco e resolveu entrar no estadiozinho. Nem gostava muito, mas se distrairia.
Sentou-se no cimento, o campo quase sem grama, os times entrando aos poucos, e viu que só havia ele assistindo.
Certamente chegaria mais gente. Da pensão sempre via ao menos umas dezenas entrando e saindo.
Mas não.
Hora de começar o jogo e ninguém nos degraus, só ele.
Tinha pensado em ficar uns minutos e sair. Mas agora não tinha jeito. Sentiu-se responsável: aprumou a postura, fixou os olhos mostrando interesse, não podia fingir que não estava ali.
O jogo morno, arrastado.
Mas ele começou a aplaudir um lance aqui, a dizer “boa!” pra uma jogada ali, a incentivar os dois times.
Levantava-se: “vamos, vamos!”; “chuta!”, “abre na direita!”; e até um “uh!” num chute que passou mais perto.
Os jogadores foram se animando. Tinham cochichado, antes de começar, que devia ser maluco: sozinho, naquele sol, no feriado, vir assistir a um jogo que não valia nada.
Mas, com os comentários e incentivos, começaram a se dedicar. A jogar para ele. Faziam um lance e o olhavam, como se buscassem sua aprovação. E viam-no cada vez mais envolvido, animado, assoviando, batendo palmas: “toca mais a bola!”; “volta pra marcar!”; “as costas, as costas, cuidado!” – para os dois times.
Até que soltou, muito alto, sem pensar, um “seu filho da puta!” pro centroavante que furou na cara do gol.
Todos pararam e o olharam. Ele estava alterado, vermelho.
E então se deu conta. Estancou. Sentiu o impacto.
Estranhou-se como se saísse de um transe que o tomara aos poucos.
Olhou em volta. Vazio. O campo. Os jogadores.
O eco do palavrão ainda reverberava, subia, batia no sol e descia como uma bigorna.
Sentou-se desajeitado. O jogo recomeçou lento.
Minutos depois, ele se levantou, foi saindo aos poucos, cabeça baixa, passou pelo portão, foi embora.
Os jogadores ficaram espiando sua saída. Mantiveram os lances devagar checando se ele desistiria. Depois, pararam e esperaram pra ver se ele voltava.
Ã-ã.
Só o sol, o silêncio e o vazio.
E desistiram.
Acabaram o jogo – não tinha juiz mesmo, eles é que resolviam.
Mas não perdoaram o centroavante, que foi sendo xingado por todos até o vestiário.
Quer dizer, o barraco atrás do gol.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)