Sentou-se no cimento, o campo quase sem grama, os times
entrando aos poucos, e viu que só havia ele assistindo.
Certamente
chegaria mais gente. Da pensão sempre via ao menos umas dezenas entrando e
saindo.
Mas não.
Hora de começar
o jogo e ninguém nos degraus, só ele.
Tinha pensado em ficar uns minutos e sair. Mas agora não
tinha jeito. Sentiu-se responsável: aprumou a postura, fixou os olhos mostrando
interesse, não podia fingir que não estava ali.
O jogo morno,
arrastado.
Mas ele começou a aplaudir um lance aqui, a dizer “boa!”
pra uma jogada ali, a incentivar os dois times.
Levantava-se:
“vamos, vamos!”; “chuta!”, “abre na direita!”; e até um “uh!” num chute que
passou mais perto.
Os jogadores foram se animando. Tinham cochichado, antes
de começar, que devia ser maluco: sozinho, naquele sol, no feriado, vir
assistir a um jogo que não valia nada.
Mas, com os
comentários e incentivos, começaram a se dedicar. A jogar para ele. Faziam um
lance e o olhavam, como se buscassem sua aprovação. E viam-no cada vez mais
envolvido, animado, assoviando, batendo palmas: “toca mais a bola!”; “volta pra
marcar!”; “as costas, as costas, cuidado!” – para os dois times.
Até que soltou, muito alto, sem pensar, um “seu filho da
puta!” pro centroavante que furou na cara do gol.
Todos pararam e
o olharam. Ele estava alterado, vermelho.
E então se deu conta. Estancou. Sentiu o impacto.
Estranhou-se
como se saísse de um transe que o tomara aos poucos.
Olhou em volta. Vazio. O campo. Os jogadores.
O eco do
palavrão ainda reverberava, subia, batia no sol e descia como uma bigorna.
Sentou-se desajeitado. O jogo recomeçou lento.
Minutos depois,
ele se levantou, foi saindo aos poucos, cabeça baixa, passou pelo portão, foi
embora.
Os jogadores ficaram espiando sua saída. Mantiveram os
lances devagar checando se ele desistiria. Depois, pararam e esperaram pra ver
se ele voltava.
Ã-ã.
Só o sol, o silêncio e o vazio.
E desistiram.
Acabaram o jogo – não tinha juiz mesmo, eles é que
resolviam.
Mas não
perdoaram o centroavante, que foi sendo xingado por todos até o vestiário.
Quer dizer, o barraco atrás do gol.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)