07 março 2017

Equívoco

Tudo foi um grande equívoco. Aquela cidade, aquele time, a posição e, mais do que tudo, a profissão: com que diabos ele veio a ser jogador de futebol? Lateral-esquerdo? E naquele fim de mundo, num time que perde muito mais do que vence?
Sempre tenta refazer o percurso que o levou a tudo isso. Jogava mais por diversão (de centroavante!), queria mesmo era continuar na escola, ter um ofício – eletricista, ou relojoeiro, ou contador –, montar um negócio, seguir a vida.
Mas algo ocorreu em algum momento. Ele não sabe quando nem o quê. Foi rápido. Seria só por um tempo. Porém, foi tudo ganhando volume, velocidade, duração, inconsciência e, num estalo, ali está ele, no uniforme roto, no campo esfarelado, correndo atrás da bola sem saber por quê.
Não era nada disso.
Seria outra sua história.
A casinha branca, a mesa com toalha de xadrezinho, a jarra de água em forma de abacaxi, a cortina no vitrô, o porta-retratos no aparador de fórmica, o suor na aliança, o banho, o pão partido com as mãos e picado na sopa, o guaraná e o brinde de “saúde!” com a mulher e os filhos de cabelo penteado.
Jornal, novela, um cigarro na varanda e a cama.
Aí sim, poderia sonhar que era lateral-esquerdo num time do interior e que corria atrás da bola, ralando a perna, frustrando-se, amargando as derrotas – só para acordar aliviado, olhar a esposa, o ventilador, os chinelos, o copo d’água, ouvir o cachorro no quintal e o rangido da correntinha do xaxim e ter a certeza de que era feliz, de que fizera a escolha certa.
Mas lá vem a bola dividida, o cotovelo na altura do gogó, a poeira nas narinas – e a sola do adversário na canela o arranca do devaneio.
Isso poderia ser só um pesadelo do qual ele despertasse.
Mas é a sua vida.
Um equívoco total, infelizmente.
Mas é isso mesmo: um equívoco é o que é a sua vida.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)
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