Sempre tenta refazer
o percurso que o levou a tudo isso. Jogava mais por diversão (de
centroavante!), queria mesmo era continuar na escola, ter um ofício –
eletricista, ou relojoeiro, ou contador –, montar um negócio, seguir a vida.
Mas algo ocorreu em algum momento. Ele não sabe quando nem
o quê. Foi rápido. Seria só por um tempo. Porém, foi tudo ganhando volume,
velocidade, duração, inconsciência e, num estalo, ali está ele, no uniforme
roto, no campo esfarelado, correndo atrás da bola sem saber por quê.
Não era nada disso.
Seria outra sua história.
A casinha
branca, a mesa com toalha de xadrezinho, a jarra de água em forma de abacaxi, a
cortina no vitrô, o porta-retratos no aparador de fórmica, o suor na aliança, o
banho, o pão partido com as mãos e picado na sopa, o guaraná e o brinde de
“saúde!” com a mulher e os filhos de cabelo penteado.
Jornal, novela, um cigarro na varanda e a cama.
Aí sim, poderia
sonhar que era lateral-esquerdo num time do interior e que corria atrás da
bola, ralando a perna, frustrando-se, amargando as derrotas – só para acordar
aliviado, olhar a esposa, o ventilador, os chinelos, o copo d’água, ouvir o
cachorro no quintal e o rangido da correntinha do xaxim e ter a certeza de que
era feliz, de que fizera a escolha certa.
Mas lá vem a bola dividida, o cotovelo na altura do gogó,
a poeira nas narinas – e a sola do adversário na canela o arranca do devaneio.
Isso poderia ser
só um pesadelo do qual ele despertasse.
Mas é a sua vida.
Um equívoco
total, infelizmente.
Mas é isso mesmo: um equívoco é o que é a sua vida.
(Texto de Luiz
Guilherme Piva)
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