23 maio 2019

IRE-1258

O PRIMEIRO MILAGRE
Fim dos anos 70, o engenheiro Norberto Odebrecht decidiu ajudar Irmã Dulce construindo o Hospital Santo Antônio. Designou para a missão o jovem engenheiro Victor Gradim, filho de Bernardo Gradim, sócio dele na Construtora Odebrecht, a quem caberia tocar o projeto de cabo a rabo, dos cálculos de despesas com materiais até a construção em si.
Perto do fim, faltou cimento. Com vergonha de dizer ao velho Norberto, o que seria a confissão de que calculou mal, foi à própria Irmã Dulce:
– Irmã, faltou cimento. O que eu faço?
E Irmã Dulce:
– Venha, meu filho.
Levou ele, percorreu todo o Albergue Santo Antônio, onde ela alojava os seus desvalidos. Fim do périplo, deu a receita final:
– Venha, vamos ali buscar a ajuda.
Chegou ao pé do altar de Santo Antônio, começou a rezar.
Victor saiu de lá, se virou, conseguiu o cimento sem o velho Norberto saber. Irmã Dulce começou a fazer milagre mesmo antes de pensar em ser santa.
(Levi Vasconcelos/A Tarde)

19 maio 2019

17 maio 2019

15 maio 2019

IRE-1255

Acocorado na carroceria. E assim na beirada do campo – um terreno disforme cercado de mangueiras. Ali ele ficava com o canivete descascando a fruta e picando fumo.
Bota grossa, chapéu, os fiapos brancos vazando sobre as orelhas, o traço de bigode sobre o lábio, torcia calado pelo time dos amigos, todos muito mais novos – eram colegas de eito a semana toda.
Na volta, o Fargo ligado na manivela cuspia fumaça nas picadas e deixava os grupos em meio à poeira nas roças e casebres. Ele era o último, no pau-a-pique perto do córrego.
No outro domingo, a mesma coisa. Nem os mosquitos o faziam mover-se: canivete, manga, fumo e pito. De vez em quando uma bicada no copo de branquinha.
Até que um dia o chamaram pra bater um pênalti. No gol de baixo, no final da pirambeira. Final de jogo, vitória garantida, quiseram homenageá-lo.
Assustou-se. Estranhou. Puxaram-no. Foi.
De bota e chapéu, com as pernas arqueadas. Dobrou a calça até o joelho. O goleiro já estava combinado, e até uns moleques atrás das traves estavam a postos pra não deixar a bola ir longe.
Refugou, olhou pra trás, viu todos o incentivarem.
Correu como pôde e deu a bicuda. Não saiu forte, foi em cima do goleiro, mas ele desviou sem graça e a bola entrou.
Só que a bota voou longe, passou por cima do bambu que servia de travessão e caiu no mato atrás dos moleques.
Ele ficou ali, com os dedos cascudos de fora, vendo a bota sumir em parábola. O pessoal veio abraçá-lo pelo gol mas ele se virou, puxou o canivete e rosnou avisando:
– Se não acharem a bota, corto a barriga de um por um.
Ficaram até de noite procurando, se coçando nas folhas, espinhos e bichos. Ele, perto do gol, de cócoras e arma em punho, esperando.
O motorista do Fargo perdeu a paciência, rodou a manivela e foi embora com o caminhão tossindo espesso e embaçado.
Até que acharam. Ele a calçou, embainhou o canivete e se levantou.
Voltaram a pé, calados, desfazendo o grupo pelo caminho.
Ele seguiu sozinho o último trecho.
Deitou-se, tirou as botas e ficou olhando a que reaparecera.
Não tinha carinho nenhum por ela. Poderia tê-la deixado no mato, sem problema.
Mas com ela é que tinha feito o único gol da vida.
Não ia perdê-la por nada.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)

13 maio 2019

IRE-1254

Sábado e domingo jogava pelada o dia inteiro. Não havia sítio, chácara, terrão, qualquer espaço, em que ele não fosse visto. Além de jogar bem, era beque e não se cansava – todos o chamavam e o queriam no seu time.
De noite, bebida, farra, zona.
Isso era também durante a semana. Descarregava caminhão durante o dia, corria uns dez quilômetros até em casa no fim do expediente (“pra relaxar”), tomava banho e caía na vida.
Magro e troncudo, canela fina e dura, cabelo empastado, calado, sempre calmo, idade imprecisa, parecia indestrutível.
Mas domingo passado sentiu. Deu um pique na lateral, a fisgada o pegou da coxa até as cadeiras, ele pôs a mão na cintura, parou, levantou o outro braço pedindo ajuda, e ficou ali, como um bule, travado.
Cercaram-no. Mudo, fechou os olhos, tentou dar um passo, virar o corpo, agachar – nada.
Quiseram carregá-lo mas ele recusou. Respirou fundo, esperou a dor passar, foi estourando o tempo, a pelada acabou.
Já escuro, só alguns ainda o aguardavam, a dor sumiu, aceitou o gelol nas costas, conseguiu se mover, bateu o pé no chão, sentiu firmeza, ajoelhou-se, deu um pulinho, disse que já estava bom e propôs:
– Bora lá, vamo pro jogo!
Não quiseram. Nem tinha número. Recomendaram que ele fosse pra casa. E que moderasse o ritmo; não dava pra seguir daquele jeito.
Foram embora. Em casa, decidiu. Largaria o trabalho de chapa. Aquilo ia acabar prejudicando seu futebol no fim de semana.
Tomou um banho e seguiu pra zona.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)

11 maio 2019

09 maio 2019

IRE-1252

== Você não quer chegar na velhice, mas não sabe o quanto será feliz por ter chegado lá. ==

07 maio 2019

IRE-1251


Sá Marina
Descendo a rua da ladeira
Só quem viu, que pode contar
Cheirando a flor de laranjeira
Sá Marina levei pra dançar
De saia branca costumeira
Gira o sol, que parou pra olhar
Com seu jeitinho tão faceira
Fez o povo inteiro cantar
Roda pela vida afora
E põe pra fora essa alegria
Dança que amanhece o dia pra se cantar
Gira, que essa gente aflita
Se agita e segue no seu passo
Mostra toda essa poesia no olhar
Deixando versos na partida
E só cantigas pra se cantar
Naquela tarde de domingo
Fez o povo inteiro chorar
E fez o povo inteiro chorar
Quando Wilson Simonal gravou “Sá Marina”, em 1968, todo mundo imaginou aquela mulher que descia a rua da ladeira, com sua saia branca costumeira, e que cheirava a flor de laranjeira…
Essa canção, uma letra de Tibério Gaspar para uma música de Antonio Adolfo, relata uma paixão de Tibério por sua professora no interior do Rio de Janeiro, quando ele tinha 8 anos.
A história é contada no volume 1 do livro “Então, foi assim” de Ruy Godinho, sobre a professora que morava na cidade de Anta-RJ:
“Na cidade morava uma professora chamada Brasilina, uma mulher loura, bonita, desejada pelos homens e odiada pelas mulheres. Ela morava na Rua da Ladeira. E quando ela saía de casa descendo a rua, os pudores se reviravam. Enquanto os homens babavam, as mulheres cuspiam na calçada, batendo janelas. ‘Eu amava essa mulher’, afirma um saudoso Tibério. ‘Uma vez engendrei um plano audacioso. Eu tinha uns oito anos. Aproveitando o fato de minha mãe ser amiga dela, pedi que me levasse junto quando fosse visitá-la. E assim aconteceu após alguns dias. Minha mãe chamou-me e fomos pra casa de Brasilina. Chegando lá, pus em prática o meu plano de ‘assédio sexual’. Propositalmente esqueci um pente no sofá da sala na hora de ir embora. Minha intenção era voltar à noitinha para resgatá-lo. Tudo certo. Fiz tudo como planejara e à noite dei uma escorregada até a casa da professora e…
Tibério, tímido, não teve coragem. 
Ficou plantado na porta. 
O pente ficou lá, esquecido. 
Um belo dia, Brasilina foi embora. Resolveu morar em Niterói, e a vida de Anta voltou a ter a monotonia de sempre…
Foi assim que Brasilina inspirou Tibério a fazer a letra da canção, só mudando o nome da musa para Sá Marina, que era mais musical.
Conta Tibério ainda sobre a canção:
Interessante é que anos mais tarde, depois que a música fez sucesso, eu fui procurado pelo programa de Flavio Cavalcanti. O programa dele tinha o quadro “Os compositores e suas musas”. Daí ele me chamou para falar sobre Sá Marina. Contei que não sabia com precisão onde morava, sabia apenas que ela havia se mudado para Niterói. A produção do programa foi atrás de Brasilina. Ela falou que conhecia a música, que tinha adorado tudo que estava sendo falado, mas que não queria ir ao programa, não queria que tirassem fotografias e que nem a filmassem. “Quero que Tiberinho continue a ter a mesma ideia de mim como eu era antigamente. Agora estou velha e não quero que ele me veja assim…”
E assim surgiu um dos maiores, se não o maior sucesso de Wilson Simonal. A canção teve mais de 300 gravações e ainda dá para imaginar a moça descendo a rua da ladeira, provocando rebuliço naquela cidade do interior.

05 maio 2019

IRE-1250

Regras do futebol de rua de antigamente:
(1) Os dois melhores não podem estar no mesmo time. Logo, eles tiram par-impar e escolhem os times.
(2) Ser escolhido por último é uma grande humilhação.
(3) Um time joga sem camisa e o outro com camisa.
(4) O pior de cada time vira goleiro, a não ser que tenha alguém que goste de agarrar.
(5) Se ninguém aceita ser goleiro, adota-se um rodízio: cada um agarra até sofrer um gol.
(6) Quando tem um pênalti, sai o goleiro ruim e entra um bom só para tentar pegar a cobrança.
(7) Os piores de cada lado ficam na zaga.
(8) O dono da bola joga no mesmo time do melhor jogador.
(9) Não tem juiz.
(10) As faltas são marcadas no grito: se você foi atingido, grite como se tivesse quebrado uma perna e conseguirá a falta.
(11) Se você está no lance e a bola sai pela lateral, grite " é nossa" e pegue a bola o mais rápido possível para fazer a cobrança (essa regra também se aplica ao "escanteio").
(12) Lesões como arrancar a tampa do dedão do pé, ralar o joelho, sangrar o nariz e outras são normais.
(13) Quem chuta a bola para longe tem que buscar.
(14) Lances polêmicos são resolvidos no grito ou, se for o caso, na pancada.
(15) A partida acaba quando todos estão cansados, quando anoitece, quando a mãe do dono da bola manda ele ir pra casa, ou quando aquela vizinha prende (ou corta) a bola que caiu na casa dela.
(16) Mesmo que esteja 15 x 0, a partida acaba com "quem faz, ganha".
(17) Rua de baixo contra rua de cima, valendo garrafa de tubaína ou coca-cola.
(18) Se chover forte, certamente haverá futebol.
(19) Obrigatório o famoso grito "paroooou" quando passar carro ou uma mulher grávida e/ou com criança perto da pelada.
(Se lembrou tua infância, então fostes uma criança normal e feliz) 

03 maio 2019

IRE-1249

Conta Sebastião Nery em 350 Histórias do Folclore Político Brasileiro que Arnon de Melo, pai de Fernando Collor, senador, mandou chamar um cabo eleitoral.
– O que é que há com você, rapaz? Eu soube que você matou Zé Maria, meu aliado?
– Matei, doutor. Eu peguei uma doença esquisita. Quando vejo um político mentindo me ataca uma tosse tão violenta que só para quando eu mato o sujeito.
Passou o tempo, lá um dia, disputando o governo, Arnon foi fazer comício na terra do tal cabo eleitoral.
– Meus amigos, eu vou multiplicar os votos de vocês em benefícios para esta terra como Cristo multiplicou os peixes nas montanhas da Terra Santa. Naquele dia, na Judeia, Jesus Cristo alimentou a multidão com dois peixes!
Embaixo do palanque, o cabo eleitoral começou a tossir, Arnon viu, lembrou, se corrigiu:
– Sim, mas eram dois peixes enormes, dois peixões gigantes, duas baleias imensas!
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01 maio 2019

IRE-1248

Os campeonatos estaduais, que não precisam acabar, mas que deveriam ser mais curtos, são como as novelas. Os capítulos são longos, repetitivos e tediosos, à espera do grande final, da festa emocionante. Parece até que, na média, as partidas foram excelentes. Já o Brasileiro seria como os grandes romances. Ainda mais se for bem jogado. As belíssimas tramas perpassam todos os capítulos, sem depender do final, que pode ser emocionante ou apenas um complemento. Assim é também a vida. A existência é muito mais interessante que o fim, sem graça e sem escolha.”
(Tostão)