Bota grossa, chapéu, os fiapos
brancos vazando sobre as orelhas, o traço de bigode sobre o lábio, torcia
calado pelo time dos amigos, todos muito mais novos – eram colegas de eito a
semana toda.
Na volta, o Fargo ligado na manivela
cuspia fumaça nas picadas e deixava os grupos em meio à poeira nas roças e
casebres. Ele era o último, no pau-a-pique perto do córrego.
No outro domingo, a mesma coisa. Nem
os mosquitos o faziam mover-se: canivete, manga, fumo e pito. De vez em quando
uma bicada no copo de branquinha.
Até que um dia o chamaram pra bater
um pênalti. No gol de baixo, no final da pirambeira. Final de jogo, vitória garantida,
quiseram homenageá-lo.
Assustou-se. Estranhou. Puxaram-no.
Foi.
De bota e chapéu, com as pernas
arqueadas. Dobrou a calça até o joelho. O goleiro já estava combinado, e até
uns moleques atrás das traves estavam a postos pra não deixar a bola ir longe.
Refugou, olhou pra trás, viu todos o
incentivarem.
Correu como pôde e deu a bicuda. Não
saiu forte, foi em cima do goleiro, mas ele desviou sem graça e a bola entrou.
Só que a bota voou longe, passou por
cima do bambu que servia de travessão e caiu no mato atrás dos moleques.
Ele ficou ali, com os dedos cascudos
de fora, vendo a bota sumir em parábola. O pessoal veio abraçá-lo pelo gol mas
ele se virou, puxou o canivete e rosnou avisando:
– Se não acharem a bota, corto a
barriga de um por um.
Ficaram até de noite procurando, se
coçando nas folhas, espinhos e bichos. Ele, perto do gol, de cócoras e arma em
punho, esperando.
O motorista do Fargo perdeu a
paciência, rodou a manivela e foi embora com o caminhão tossindo espesso e
embaçado.
Até que acharam. Ele a calçou,
embainhou o canivete e se levantou.
Voltaram a pé, calados, desfazendo o
grupo pelo caminho.
Ele seguiu sozinho o último trecho.
Deitou-se, tirou as botas e ficou
olhando a que reaparecera.
Não tinha carinho nenhum por ela.
Poderia tê-la deixado no mato, sem problema.
Mas com ela é que tinha feito o único
gol da vida.
Não ia perdê-la por nada.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)