Pode ser no terrão, nas fazendas, nos
estadiozinhos com degraus de arquibancada ou – ocorreu somente duas vezes
nesses mais de trinta anos – no estádio municipal.
Ela
de guarda-chuva, em pé, ou sentada numa toalha que sempre levam, com a garrafa
de água e o sanduíche.
O mesmo que ela levava pra ele quando,
moleque, começou a jogar nas peladas e nos times de roça, de bairro, de amigos
e de escola. Era acabar o jogo, suado, polvilhado de
terra, caiado de areia ou rebocado de lama e lá na cerca, na porteira, na
estradinha, no barranco, estava ela, com o cantil e o pão com ovo.
Náufrago. Moribundo.
Ela
com o pano úmido na sua testa.
“Fez gol, filho?”
“Hoje
não, mãe.”
E o pão com ovo. De olhos fechados.
Mastigado como se um milagre pleno se enovelasse na sua boca e se desmanchasse
até a alma.
“Não
faz mal, filho. Noutro jogo você faz.”
Mais de trinta anos tentando fazer gol
em todos os jogos.
Para
poder responder: “fiz, mãe!”
Claro que nem sempre conseguiu. E que
foi ficando cada vez mais difícil fazer.
Ele
já podia, devia até, em função da idade, ter parado de jogar.
Mas acha que morreria.
Não
pelos jogos. Não pelos gols.
Até porque faz anos que está sempre na
reserva. E há muito tempo não faz nenhum gol.
Mas
pelo pão com ovo injetando-lhe vida.
E pela bênção repetida enquanto ele
ainda está de olhos fechados terminando de mastigar: “não faz mal, filho.
Noutro jogo você faz”.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)