Não só pelos dribles, pela velocidade, pelos gols e pela
garra em campo.
Mas também pelas
farras e bebedeiras intermináveis.
No começo, era jogador comum, toquinhos, alguns chutes,
muitas vezes na reserva, raríssimos gols.
Na vida, a mesma
coisa: balconista, casa, banho, TV e cama.
Foi aos poucos que mudou. Melhorando em campo, piorando
fora. Todos perceberam as diferenças.
Mas começaram
mesmo a dizer que o diabo se apossara dele no domingo em que fez cinco gols,
fora os lances de abrir a boca, e foi expulso depois de sair no braço com meio
time adversário.
E sumiu. Foi achado segunda-feira na zona, bêbado.
Largou a pensão
em que morava sozinho. Saiu da loja. Só bares e zona, gastando os bichos que
garantia aos domingos.
Daí pra frente, só isso: o diabo em campo e na rua, e
ninguém nunca se atreveu a perguntar nada, a aconselhar, conversar.
Muitos beques
tentaram quebrá-lo. Mas ele escapava e dava risada alta na cara deles. Mesmo
quando o acertavam, ele logo estava de pé, correndo mais do que todos.
Fazendo gols, garantindo o bicho.
E torrando tudo
a semana inteira com bebida e mulheres.
Foi virando lenda. Metendo medo.
A tese de que
vendera a alma cresceu.
Uns, em campo e na rua, diziam ter vislumbrado chifres na
sua cabeça ou sentido seu bafo de enxofre.
Muita gente se
benzia ao vê-lo.
Não se sabe se morreu ou se partiu. Nunca mais foi visto.
Até hoje, porém,
há quem jure, em arrepios, na zona e no campo, que às vezes o vê, gargalhando,
correndo com a bola no meio do jogo ou bebendo e dançando no meio do salão.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)