Muitos ficavam meses sem se falar. Teve quem pediu
demissão e quem foi demitido. Suspensões e férias forçadas. Só aos poucos, com
os meses se repetindo, se restabelecia o clima.
E vinha dezembro, vinha o jogo e vinha a pancadaria.
Talvez fossem rusgas acumuladas por pequenos atritos ao
longo do ano, talvez fosse pela bebida que jorrava antes e durante o jogo, ou
ainda pela tensão classista entre os diferentes salários e postos de trabalho.
Começava com dois ou três, envolvia os próximos ao lance,
agrupava os mais amigos entre si, e em poucos minutos titulares, reservas e os
que só iam assistir se engalfinhavam em socos, agarrões, rasteiras e gravatas e
só paravam por exaustão ou ferimentos mais graves.
Este ano o dono chamou todo mundo. Disse que não haveria
jogo. Que a empresa é de todos e que eles formam uma família. Que futebol é
esporte de confraternização. Que fim de ano é para renovação de esperanças. E
que, depois de tantos anos de brigas, ele decidiu acabar com a tradição do
futebol da empresa.
Mas o que se comentou entre os funcionários é que, na
verdade, com a crise e as demissões, não daria pra alugar campo, comprar
bebidas e petiscos e mal e mal daria pra formar dois times com os que sobraram.
Muitos não se conformaram. Procuraram o dono e propuseram
terceirizar uma parte dos jogadores – no caso, convidar conhecidos e parentes.
Disseram que rachariam as despesas com o campo e a comida e que não haveria
bebida.
E que todos, gerentes, supervisores, operários,
faxineiros, motoristas, vigias e diretores, se comportariam.
O jogo foi ontem à noite.
E, claro, quebrou o maior pau.
Que é, no fundo, o que eles queriam.
O futebol é só um ensejo para a tradição que eles de fato
apreciam e fazem questão de manter.
(Texto de Luiz
Guilherme Piva)