Sozinho, em dois, três, quantos houvesse, entre as
cadeiras dos velhos fumando, as janelas das senhoras falando, as pernas das
moças crescendo, as casas descascadas, os cachorros e as poças e cacos e latas
e lençóis pendurados à beira da linha.
Tudo tremia
quando o trem passava. Já no apito de longe começava a correria pra tirar do
varal o que desse, pra evitar que a fumaceira sujasse tudo. Com medo, o moleque
parava o jogo, ficava atrás de uma cadeira, segurando a bola no peito. Ou atrás
das coxas das moças, abraçando seus joelhos. Depois da fumaça, do cheiro e das
tosses, bola ao chão, cigarros, janelas e moças.
Ao cheiro da poeira, da fumaça do trem e do suor do jogo,
foi se somando o das pernas das moças. A inquietude pra dormir. Nem sabia por
quê. Cresceu um pouco e já lhes abraçava as coxas na hora do trem, o rosto
atrás dos seus quadris.
Cresceu de vez,
foi ser eletricista, biscate, vendedor, jogador da várzea, o trem nunca mais
passou, uma das moças, novinha, se casou com ele. Fumando na viela, olha hoje a
linha parada, os molequinhos com camisas do Botafogo, um deles é seu filho. As
senhoras, os lençóis, a bola. E as pernas das novas moças.
Não pensa dessa forma, mas se soubesse e pudesse, diria
que o mundo e a história do mundo estão inteiros ali.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)