25 outubro 2014

23 outubro 2014

Apocalipse

O chileno Francisco Negroni ganhou a categoria ambientes da terra do prêmio Photographer of the Year, na edição de 2014. Ele capturou a imagem que batizou de "Apocalipse", no Parque Nacional Puyehue, no sul do Chile. Negroni flagrou um evento raro: uma tempestade de raios provavelmente causada pelas descargas de eletricidade estática resultantes do choque entre rochas quentes, cinzas e vapor da erupção no complexo vulcânico Puyehue-Cordón.
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21 outubro 2014

Doida X Maluco

- A sua é maluca. Não fala coisa com coisa. Vive de promessas e tem essa mania louca de poder.
- O seu é que é doido. Parece não ter passado. Esqueceu tudo de ruim que já fez. E tem mais mania de poder que ela.
- Olha quem fala. A sua parece que vive num mundo da fantasia, completamente descolada da realidade. Olha para o mundo como se tudo estivesse bem.
- O seu é que é assim. Além disso, faz pose de santinho mas todos sabem que gosta é de gandaia.
- A sua saía escondida, à noite, para andar de moto. Onde já se viu, naquela idade.
- Eu não compraria um carro usado do seu.
- Eu não compraria nem um sapato da sua. Vai saber a procedência.
- O seu é um pilantra.
- A sua é chefe de gangue.
- O seu não deve tomar banho, cheira mal.
- Opa, está apelando. Melhor que a sua, que gasta rios de dinheiro com cirurgia plástica e cabeleireiro.
- O seu mente.
- A sua mente mais.
- O seu não perde aquele risinho irônico.
- A sua assassina a gramática quando fala.
- O seu é um escroto.
- A sua é uma vaca.
... ... ...
- Desculpem me intrometer. Estava aqui ao lado e não foi possível deixar de escutar essa discussão de vocês. Prestem atenção ao que eu digo. Podem ver, sou bem mais experiente que vocês. Isso não vale a pena. Vocês são um casal lindo. São namorados ou casados?
- Somos casados.
- Há apenas dois anos.
- Então, estão vendo. É bobagem colocar essa polêmica toda entre vocês. Mesmo eles, que estão brigando feio agora, logo fazem as pazes e estarão de conchavinho quando necessário. Quantas vezes já vimos isso...
- Do que é que o senhor está falando? O senhor conhece os dois?
- Pessoalmente, não. Mas sei quem são, claro. Estão na TV todos os dias.
- Na TV? Acho que o senhor está enganado.
- Vocês não estão falando da eleição?
- É claro que não.

- Estamos falando do meu pai e da mãe dela, que resolveram namorar. Eu não acho que ela é boa para ele.
- E eu não acho que ele seja bom para ela.
- Nossa. Agora sim devo pedir mais desculpas. Achei que o assunto fosse política, não algo pessoal.
- Tudo bem, foi um mal entendido engraçado. Sobre política a gente nem fala muito, mas concorda sempre. Vamos votar na...
- De jeito nenhum. Ela é doida.
- Ele é que é maluco!
Fonte:
http://atarde.uol.com.br/cultura/noticias/1632488-falam-por-ai-a-sua-e-maluca-o-seu-e-doido

19 outubro 2014

13 outubro 2014

Virando a Casaca

Indignação foi o mínimo. Teve agressão verbal, ameaça de linchamento, caras viradas, ofensas na internet.
- Mudou de time?
- Ficou louco?
- Tá de brincadeira?
- Vá to…
Ele nem aí. Resolveu. Apareceu na rua da vila, sábado de manhã, com a camisa do maior adversário. Sentou-se no boteco, como sempre. Os amigos riram, perguntaram se era trote, se era aposta, o que era.
- Nada. Mudei de time.
Todos sempre torceram para o time que agora ele abandonava. Iam aos jogos. Eram sócios. Filiaram-se à torcida organizada. Álbuns, camisas, bandeiras, cartões de crédito, até a latinha de cerveja. Depois do espanto, certificaram-se de que era sério. Houve um empurra-empurra barulhento, cadeiras levantadas, o pessoal da rua teve que intervir.
Ele se sentou de novo, sozinho. O pessoal foi embora olhando pra trás, vendo-o no bar com a camisa odiada.
Um deles não se aguentou. Quis correr de volta pro bar, com raiva. Os outros o detiveram. Ele, com lágrimas, vermelho, o pescoço inflado de veias, gritava:
- Não tá feliz, muda de sexo, porra! A gente aceita! Mas de time, não! Pelo amor de Deus!
Domingo a mesma coisa. Ele, na janela, vendo todos o apontarem. 
Pôs a camisa adversária e foi pro bar.
Outro corre-corre. Ligaram pro dono ameaçando pôr bomba no estabelecimento. Preocupado, o garçom pediu a ele que se retirasse. 
Ele parou na porta, fumou, alisou a camisa e seguiu pra casa.
Durante a semana, só silêncios e agressões virtuais.
Na sexta à noite, a mulher o procurou.
- Vou embora.
- Quê?
- Vou embora. Encontrei outra pessoa.
- Outra pessoa? Que história é essa?
- …
- Seu ex-namorado?
- Não.
- O cara da autoescola? Eu vi ele se jogando em cima de você durante a aula.
- Não.
- …
- É a Cleide.
- Como a Cleide?
- A Cleide. Do salão.
- A Cleide é mulher! Tá doida?
- Não. É do que eu gosto. Sempre desconfiei. Assumi.
- De mulher? Você gosta de mulher?
- Gosto. A Cleide também. Resolvemos morar juntas.
Ela saiu e ele ficou atônito.
Não dormiu.
No sábado cedo apareceu no bar com a camisa do antigo time. Os amigos olharam, se aproximaram devagar, perguntaram, foram se certificando, até terem certeza.
Deram-se um abraço enorme.
- É assim que se fala!
- Ê, companheiro!
- Sempre unidos!
- Brinda aqui!
- Quase nos matou com essa doideira!
Sentaram-se. No silêncio dos goles aproveitou e disse.
- Mas tem uma coisa.
O olhar de todos, mãos nos copos, copos nas bocas.
- Vou mudar de sexo.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)

11 outubro 2014

Terapia de Areia

Uma cidade no deserto de Saara atrai turistas em busca de uma atração inusitada: banhos de areia.
Nas dunas de Merzouga, os visitantes são voluntariamente enterrados nas dunas douradas e quentes. Eles ficam com todo o corpo coberto, menos a cabeça, por cerca de dez minutos. Segundo se afirma, a terapia ajuda a curar aqueles que sofrem de reumatismo, lombalgia, artrite e algumas doenças de pele.
Os efeitos são semelhantes ao de uma sessão de sauna, ajudando a tirar toxinas do corpo, de acordo com um dos funcionários. “Oferecemos todo tipo de turismo aqui, mas especialmente o turismo voltado para a saúde”, diz.
A pequena comunidade de Merzoga fica no sudeste do Marrocos, onde a tribo berbere Ait Atta agora vive do turismo. Seus habitantes mantêm hotéis e restaurantes no local, que fica no topo de um mar de dunas de areia.
O banho de areia custa aproximadamente 10 euros (cerca de R$ 30). No final, os “pacientes” são cobertos com toalhas quentes para evitar o choque de um resfriamento súbito do corpo.

07 outubro 2014

Lengo Tengo


A Morte do Vaqueiro
-- (Luiz Gonzaga)
Numa tarde bem tristonha
Gado muge sem parar
Lamentando seu vaqueiro
Que não vem mais aboiar
Não vem mais aboiar
Tão dolente a cantar
Tengo, lengo, tengo, lengo,
tengo, lengo, tengo...
Ei, gado, oi
Bom vaqueiro nordestino
Morre sem deixar tostão
O seu nome é esquecido
Nas quebradas do sertão
Nunca mais ouvirão
Seu cantar, meu irmão
Tengo, lengo, tengo, lengo,
tengo, lengo, tengo...
Ei, gado, oi
Sacudido numa cova
Desprezado do Senhor
Só lembrado do cachorro
Que inda chora
Sua dor
É demais tanta dor
A chorar com amor
Tengo, lengo, tengo, lengo,
tengo, lengo, tengo...
Tengo, lengo, tengo, lengo,
tengo, lengo, tengo...
Ei, gado, oi
E... Ei...

05 outubro 2014

03 outubro 2014

Papai Noel FC

O FC Santa Claus, localizado no norte da Finlândia, foi criado em 1993, na cidade de Rovaniemi, próxima ao Círculo Polar Ártico. Tão incrível quanto o nome do clube é o seu símbolo: um Papai Noel escrevendo uma carta a alguma criança que deve ter exagerado no pedido de Natal.

01 outubro 2014

Parador

A mulher carrega um saco enorme, branco, cheio de roupas, e tenta sentar do lado dele.
Tem umas três crianças chorando, aos gritos.
O sol na estrada embaça o pensamento, entorta a paisagem e ameaça derreter o ônibus.
Mandaram buscá-lo. Tinha jogo no domingo, ele se mudara pra trabalhar na cidade maior, a 100 quilômetros.
Ligaram pro vizinho com o recado. Pagavam a passagem!
Nem a janela aberta refresca, e a poeira e sol grudam na cortininha, no banco rasgado, na calça, no pescoço manchado do velho com o chapéu em cima do rosto.
No fundo um rádio esgoelando em meio ao balido do motor na subida. Prêmios, anúncios, recados.
Pára. Sobe o fiscal.
Pára. Desce um gordo encharcado.
Pára. Sobem 20 alunos descalços, berrando.
Sempre foi titular. O pessoal até falou que sentiria falta. Mas pagar a passagem pra jogar? Sorri.
Talvez paguem o almoço e a janta? Peço? Ou espero o resultado?
E se perdermos? Melhor pedir antes.
Será que todo domingo?
Pára. Cruza a estrada uma boiadazinha magra, mosquitada, grudenta.
Um dos alunos espirra e o catarro gruda no braço do banco. Gargalhadas, cascudos, pulos.
A freada por causa do buraco, o solavanco – cai um embrulho de queijo do maleiro do teto, o homem do rádio xinga e o do chapéu acorda com a boca aberta.
Não fume charuto, cachimbo ou cigarro de palha. Proibido falar ao motorista. Não sente no motor.
Pelo espelhinho vê o motorista pingando, a camisa fechada no colarinho sebento, molhada.
Pára. Entra um rapaz enorme, magro, de bermuda e camiseta – coitado, deficiente. Tem um apito pendurado no pescoço e a mãezinha mínima e velha do lado.
Sem motivo, apita alto várias vezes, de quando em quando. A mãezinha o afaga.
Pára. Os alunos descem e zoam e xingam o rapaz do apito e corrrem atrás do ônibus jogando pedras e rindo.
Se eu jogar bem, vão buscar sempre. E ainda hotel, comida, bebida.
Acho que foi pelo último jogo.
A mulher empurra o saco de pano gigante e quase o amassa. Pede que ele a ajude a descer. Lá fora, pede que ele o coloque sobre a cabeça dela.
Pequena e magra, vai com o saco no cocuruto, uma mão no quadril dobrado como um coxo, varando as cercas.
Sobe. O rapaz do apito tomou seu lugar. A mãezinha do lado.
A cabeça bate no teto com os sacolejos.
Freada. Vem um pacote de mantimentos no chão, abrindo e espalhando latas.
Ou foi ela que quis me trazer de volta? Mas aí o pai dela não ia pagar. Ela deu um jeito? Será que ele sabe?
Ela ficou com medo de eu sumir. Não acredita.
Pára. Desce o rapaz apitando, depois fica olhando e dando tchau, a poeira no acostamento fazendo-o sumir.
O catarro do braço do banco resseca na ponta e fica pendurado, badalando os segundos.
Pára. Desce o fiscal. Sobe um homem com duas galinhas nas mãos, cacarejando como um estádio inteiro.
Falou com o pai dela e então ele, será? E a cidade, a idade, o futuro?
O motorista dá umas cochiladas. Ele vai até lá. Ouve que tá acostumado.
Pára.
Ele é quem desce.
Em frente ao muro do campo. Quase na hora do jogo.
Amarelo e úmido de ônibus, estrada e sol.
Não sabe se ela está lá. Se vai jogar bem. Se as coisas irão adiante. Ou se tudo vai parar.
Sente um medo frio e agudo e suado e sujo e barulhento como um apito dentro da cabeça como um rádio sem sintonia como as galinhas bicando a alma como gritos no fosso da barriga um medo de dar caganeira um medo de nem sabe o quê.
Olha em torno.
Sai correndo atrás do ônibus gritando.
Pára. Ele sobe.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)