27 agosto 2013

Na Terra do Sol

Quatro irmãos. Do outro lado, outros quatro garotos. Pelada na praia, ou seja, coisa muito séria.
Duas, três horas de jogo sem parar.
Céu infinito, barracas brotando, areia no olho, chute na água, carrinho de milho, suor na nuca, boca seca, solas rachadas de conchas, miragens – e o sol e o sol e o sol e o sol.
Gol de um lado, gol de outro, nunca saía do empate.
O meio-dia arrebentava, mas um dos irmãos não se cansava. Era o mais forte, o mais calado, o que não desistia.
Devia estar já uns 30 a 30, 45 a 45, ninguém aguentava mais.
Mas ele seguia correndo. Salvava um gol lá atrás, marcava um gol lá na frente.
Todos com as mãos nas cinturas, as mãos nos joelhos, as cabeças pendendo, turvas.
Menos ele.
Por misericórdia mútua, decidiu-se que quem fizesse o próximo gol seria o vencedor.
Eis que saiu o gol dos irmãos – e a vibração foi caírem de costas na água, ou, com o suor, rolarem à milanesa na areia.
Só que o gol foi contestado: disseram que a bola passara por cima do chinelo que fazia a função de uma trave – a outra era a metade de um coco.
Bate-boca geral. Senões, empurrões, palavrões, pescoções. Depois os entões, os perdões, as soluções.
Por algum motivo, decidiu-se resolver a polêmica com uma falta a favor dos irmãos, a três passos do gol.
Mas os quatro adversários se amontoaram entre o chinelo e o coco. Não ficou nenhuma fresta.
Impossível marcar.
Só que foi o seguinte.
Ele, o mais forte, calado, se aproximou da barreira e postou-se de costas pra ela, grudado nos quatro enrodilhados entre as traves, e abriu os braços.
Na hora da cobrança da falta, ele jogou o corpanzil pra trás derrubando a barreira, com um baque, a uns dois passos de distância.
Gol aberto, o espaço entre o coco e o chinelo escancarado, foi só outro irmão tocar, os quatro comemorarem e acabarem o jogo, deixando perplexos e vencidos os adversários.
Hoje, Deus e o diabo jogando dados, os outros irmãos correm sem parar e se lançam sobre o inimigo para derrubá-lo e deixarem o gol aberto para ele, o mais forte, o mais calado, marcar.
Pra deixarem o inimigo no chão, perplexo, vencido.
E comemorarem que o jogo não tenha acabado.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)