01 maio 2015

Sem Perdão

Jogavam o time da casa e o visitante, fraquíssimo, chamado São Francisco. Era só ganhar pra ir pra semifinal do torneio intermunicipal.
O sacristão, que nunca ia a jogo nenhum, mas era devoto, foi ao campo com a imagem do santo nas mãos.
Ficou quieto, passando a mão na cabeça do seu protetor.
O pessoal achou esquisito mas fez que não ligava.
Só que a irritação se instalou com o gol adversário.
Depois outro. Dois a zero.
Começaram a xingar o coitado, empurrá-lo.
Ele, com os olhos vermelhos, ergueu a imagem pros céus e começou a cantar:  “onde houver ódio que eu leve o amor”, três a zero!, veio o primeiro tapa – ele balançou e aumentou a voz: “onde houver ofensa que eu leve o perdão”, os cascudos violentos surgiram aos montes, pontapés, ele gritava “onde houver discórdia que eu leve a união”, quatro a zero! Até que virou chacina, ele caído, abraçado ao santo, a polícia chegou e o pessoal correu – mas ainda teve o quinto gol: cinco a zero!
São Francisco, zebra total, classificado! O time da casa, favoritíssimo, eliminado.
Dois cabos carregaram o coitado cheio de sangue – com o santo grudado ao peito – e contam que ele ainda balbuciou que perdoava para ser perdoado e que ali começava sua vida eterna.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)