07 julho 2015

Viva O Circo!

Dominou e enfiou pro ponta, mas o domador interceptou. No rebote, retomou a bola e lançou do outro lado, na medida pro centroavante, entre o pipoqueiro e o tiro ao alvo, terminar a toda a descida do tobogã e, de carrinho, tocar forte pro gol.
Mas lá, fechando tudo, tinha um elefante!
Aquele era o lugar em que ele, muito pequeno, conhecera os parques e os circos. Espaço disforme de mato ralo entre uma mureta e um ribeirão que agora era o seu campinho e de outras crianças.
Viu que estava misturando tudo. Mas não conseguia parar. E o jogo seguia.
Foi queixar-se ao juiz – que, ao sacar o cartão, puxou lenços de mil cores infinitamente. Ao apitar, soprou flores e fez pingar moedas da narina.
Distraído, atordoado, não viu o contrataque: a bola no alto, nas cadeiras giratórias, voou até a cabeça do homem mais alto do mundo. A sorte é que seu goleiro largou o trapézio, quicou na corda bamba e fez a ponte.
Pouco depois, recebeu sozinho na área, mas ela era cercada de espelhos: convexos, curvos, côncavos, distorcidos, ele era mil, a bola era fugidia, o carrossel de cavalinhos em volta o confundiu ainda mais.
Perdeu o gol.
O jogo ficou muito complicado. Na corrida, pra receber atrás do malabarista, se viu dentro do trem-fantasma e saiu perto da sua própria trave, branco de terror. Mulheres de maiô e paetê dançavam nas laterais. Na sua defesa os zagueiros de narizes vermelhos e sapatos bicudos trombavam e caíam.
Esfregou os olhos. Era delírio, óbvio. Viu o capim, os bambus fazendo as traves. Reboco solto. Fedor da água. Os molequinhos sujos com as camisas no joelho e ele descalço e sem camisa.
Olhou pro alto e o sol o hipnotizou.
Mas escutou a tempo o grito que o salvou de uma colisão dos bate-bates, entrou no caminhãozinho, que depois era um trenzinho, depois um aviãozinho – rodando em volta de um eixo, fazendo o círculo do meio de campo. A bola bem ali, na marca central.
Ele se moveu até ela, domou-a e arrancou pro gol com a molecada correndo em volta.
À sua frente, somente o engolidor de fogo. Se passasse por ele, era saco.
Mas, não. Tinha também o atirador de facas.
E a mulher-gorila.
E o homem mais forte do mundo.
E uma roda-gigante.
E um globo da morte.
E ficou de noite. Luzes o cegavam e arregalavam-lhe as pupilas. O escuro fechou-lhe os ouvidos. O ronco das motos junto com a musiquinha do realejo e o rufar da bateria.
Ele resolveu chutar sem pensar, sem mirar, sem saber nada.
A bola subiu. Ele olhava. Subia cada vez mais. Ele a via sumir, estrelinha ascendente no céu.
Mas tudo se inverteu de repente. É ele agora quem voava. O campo, o circo, o parque iam encolhendo e virando capinzinhos lá embaixo. Ele tocou o céu, parabolou – e começou a descer.
A despencar.
A velocidade aumentou. O parque, o circo, o campo foram se agigantando, foram virando o mundo todo, ele é que diminuía, mas ganhava peso, corpo, massa, velocidade.
E medo.
Rezou pra que o goleiro o defendesse. Ou para que caísse num tonel de água e se salvasse. Ou que houvesse uma rede de proteção.
E não havia.
Até hoje, anos e anos e anos, tantos anos depois, ele continua caindo.
O medo só aumenta.
E ele já sabe que não há goleiro, nem tonel.
Muito menos rede de proteção.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)