13 agosto 2015

Domingo Passado

Domingo passado ele, de novo, não foi vê-lo.
Tem sido assim todos os Dias dos Pais há muitos anos.
É o dia em que ele vai jogar bola de manhã, de tarde e de noite, pro dia passar logo e ele ficar longe.
No resto do ano, não.
Todo dia vai lá, carrega, limpa a sujeira, dá banho, penteia, põe de novo na cama e fica falando com o pai – coitado, os olhos escancarados sem entender nada de nada.
Era goleiro. E contador.
A doença o pegou muito cedo. Nem quarenta. E normalmente, dizem, é doença de idade avançada.
Mas com ele foi aos quarenta. Nem isso, coitado, trinta e oito, por aí.
Primeiro, deu um vazio no meio de um jogo. Gol adversário sem que ele fizesse um gesto.
Quando voltou a si, demorou a entender. Percebeu. Inventou qualquer coisa.
Mas foi se repetindo e o tiraram.
No trabalho, foram rebaixando suas funções – auxiliar, cópias, carimbos.
Mas, ainda com períodos vivos, um dia disse pro filho: “não quero mais ir ao trabalho, o pessoal ri dos erros que eu cometo”.
Ele o tirou. Aposentou-o. Viu-o definhar em poucos anos, sumindo de corpo e mente. A mãe sem saber o que fazer.
Num Dia dos Pais – já faz quase vinte anos –, banho tomado, imóvel, olhando a mesa com um bolinho e um guaraná, de repente, com raríssimo e pleno domínio, disse pra esposa e pro filho: “se ao menos eu ainda conseguisse ser goleiro não ia dar tanta vergonha pra vocês”.
Depois disso, rapidamente, cama, ausência, fiapo: a inconsciência foi avassaladora.
Tanto que ele jura que foram as últimas palavras que o pai pronunciou.
São elas que gongam na sua cabeça o tempo todo.
E que ele pragueja entredentes o dia inteiro, todos os Dias dos Pais, jogando bola de manhã, de tarde e de noite.
Com raiva e orgulho de ser goleiro.
(Texto de Luiz Guilherme Piva)